Autor: Diego Silva Siqueira
As funções ecossistêmicas do solo, também conhecidas como funções ambientais, abrangem mais do que apenas a produtividade agrícola. Elas incluem a capacidade de armazenar água, preservar e aumentar a meia-vida do carbono e abrigar biodiversidade, como bactérias e fungos benéficos. Nesse contexto, os Remineralizadores de Solo têm um papel fundamental em melhorar esses aspectos, gerando indicadores positivos das funções ecossistêmicas ou ambientais e permitindo uma mudança significativa na agricultura. O Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo publicado em 2017 foi uma edição especial, enaltecendo as funções ambientais do solo, suas aptidões naturais e vulnerabilidades, também naturais. Essas funções ambientais, aptidões e vulnerabilidades naturais estão muitas vezes relacionadas não só com a quantidade de argila e matéria orgânica, mas também com minerais já existentes no solo. O Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, publicado em 2017, e os livros da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo “Química e Mineralogia do Solo – Conceitos Básicos e Aplicações” e “Tópicos em Ciência do Solo – Volume XI” de 2021, apresentam diferentes maneiras que a mineralogia do solo impacta na aptidão e potencial da saúde natural e resiliência dos solos tropicais.
A origem dos minerais, a formação de minerais secundários e do solo: a gênese da terra – Engenheiros agrônomos e outros profissionais aprendem, desde cedo, que a rocha é a “mãe” do solo. Os minerais primários, formados durante a originalização da rocha há bilhões de anos, passam por um processo de intemperismo, resultando na formação de minerais secundários no solo, independente da forma de cultivo e cobertura do solo. Assim como o efeito estufa é uma ação da natureza, o intemperismo e a formação de novos minerais no solo, também conhecida como “gênese”, também são um efeito natural. Os novos minerais formados no solo são uma expressão fiel da interação dos minerais primários da rocha com os microorganismos naturais da região, condições climáticas locais, forma da paisagem ou relevo, tempo de interação, e reações químicas como redução, oxidação, dessilicatização, dentre outras. O tamanho da partícula mineral e a resistência desses minerais, relacionada às suas propriedades químicas, impactam diretamente no tempo de formação desses novos minerais, chamados de secundários. Grande parte desses novos minerais, com importância agronômica devido às suas capacidades de interação com adubos e outros insumos, está nas partículas de tamanho argila dos solos, também chamadas de fração argila. Por isso, podem ser chamados de tipos de argila, já que são todas argilas, menores do que 0,002 mm, mas possuem forma e propriedades agronômicas e ambientais distintas.
A adição de Remineralizadores de Solo, provenientes de rochas adequadas, na granulometria correta e devidamente credenciados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pode promover a formação desses minerais secundários, impactando positivamente na regeneração das funções ambientais do solo ligadas à capacidade dos tipos de argila do solo. A Revista Pesquisa FAPESP, uma das ações de maior destaque do Brasil para popularização da ciência e divulgação de resultados embasados tecnicamente, publicou em 2024 uma matéria especial sobre a importância desses minerais secundários, os tipos de argila e seus impactos na sociedade.
Mapa dos minerais já existentes no solo e impactos na aptidão natural dos biomas brasileiros (extraído da Reportagem Pesquisa FAPESP 2024, Métodos de Análise de Solos)
Dois dos desafios para profissionais e produtores são: 1) Entendimento dos conceitos sobre mineralogia e seus desdobramentos, algumas vezes complementares, outras até mais disruptivos e impactantes do que uma abordagem focada somente em teor de argila, silte, areia e matéria orgânica do solo; 2) Entendimento dos métodos de análise desses minerais, que não pode ser o mesmo método e linha de raciocínio da química e fertilidade convencional de solo. A compreensão e aprendizado sobre esses dois pontos, faz toda diferença na prática, e ajuda na assertividade da abordagem correta, interpretação, análise de resultados e da aplicação de Remineralizadores de Solo. Isso acontece porque grande parte dos métodos de análise atuais foca na química e fertilidade do solo, associadas à fase líquida. No entanto, há um desconhecimento significativo sobre metodologias capazes de representar as mudanças mineralógicas no solo, especialmente as provocadas pela adição de remineralizadores. As técnicas convencionais, como análise granulométrica e de textura, não conseguem identificar a variação de novos minerais formados no solo. Portanto, há uma necessidade de análises mais específicas que compreendam a formação desses minerais e seu impacto na resposta agronômica em uma safra. Os materiais apresentados como base de referência para esse texto apresentam alguns desses métodos.
Impacto Multidisciplinar: Da saúde do solo às ODS -O tema dos remineralizadores desperta interesse científico, tecnológico e econômico há várias décadas por seu potencial transformador, principalmente dentro do conceito de economia circular e agricultura regenerativa. A prática de calagem, uma inovação fundamental para o cultivo de solos tropicais, é uma prática de adição de minerais de rochas no solo baseada no entendimento da mineralogia do solo e seus impactos na dinâmica de cargas do solo, como CTC, CTA e pontos de carga zero (PCZ). Com as mudanças climáticas, novas aplicações, como o intemperismo acelerado de rochas, têm surgido. Esse processo pode capturar carbono da atmosfera e armazená-lo na estrutura do mineral, contribuindo significativamente para a mitigação das mudanças climáticas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), até 2050 a técnica pode capturar até 4 gigatoneladas de CO2 equivalente. O Workshop “Tropicalizando as soluções da natureza para uma agricultura regenerativa” realizado na EMBRAPA Sede em Brasília reuniu diferentes especialistas para tratar do tema intemperismo acelerado e indicadores para condições tropicais. As palestras estão disponíveis gratuitamente no YouTube, link nas referências deste artigo.
Funções Ecossistêmicas e seu valor econômico – As funções ecossistêmicas como polinização e até mesmo as funções do solo, como armazenamento de água, produção de bioenergia e alimentos, têm um valor econômico substancial. A polinização, por exemplo, gera um valor estimado de U$212 bilhões todos os anos no mundo, equivalente a R$2,9 bilhões por dia, segundo BIOTA-FAPESP, um dos mais importantes programas brasileiros de biodiversidade.
Um estudo que faz parte do livro “Serviços ecossistêmicos e pagamento por serviços ambientais: aspectos teóricos e estudo de caso”, editado pela Embrapa Territorial, estima que o valor potencial médio dos serviços ecossistêmicos de diferentes ecossistemas e biomas é de US$ 5,3 mil/ ha/ano. Considerando as florestas tropicais brasileiras, como Floresta Amazônica e Mata Atlântica, imaginem o valor do serviço ecossistêmico prestado, que é acima dos trilhões de reais por ano!
A variação nos valores pelas técnicas de armazenamento de carbono via solo é mais ampla e demonstra a capacidade dos solos em sequestrar carbono em sua estrutura por duas rotas: carbono particulado e carbono associado.
Além de impactar na ODS13 de carbono e mudanças climáticas, a agricultura regenerativa praticada com base nos minerais secundários do solo, os tipos de argila, impacta nas funções ambientais do planeta e outras ODS.
De maneira similar, podemos imaginar o valor função ecossistêmica do solo: suporte físico de sustentação para animais, plantas e cidades com suas casas e prédios; transformador de nutrientes, filtra a água da chuva, removendo poluentes e armazenando-a; ajuda a mitigar as mudanças climáticas e regula a temperatura e a umidade do ar; é a base da produção de alimentos, fibras e bioenergia; abriga uma vasta diversidade de microrganismos; fornece materiais como argila, areia e cascalho, utilizados na construção de casas, estradas e outras infraestruturas; contribui para a beleza da paisagem e oferece oportunidades para atividades recreativas como caminhadas, ciclismo e jardinagem; é um laboratório natural para a pesquisa e o aprendizado sobre a vida na Terra e os processos ecológicos. Faça as contas, se não houvesse solo, também não existiriam todas as atividades, benefícios, serviços e profissões relacionadas com as funções descritas acima. Segundo a ONU, até 2045, cerca de 135 milhões de pessoas poderão ser deslocadas como resultado da degradação do solo e perda das suas funções ecossistêmicas. Essa perda e degradação das funções do solo, reduz o Produto Interno Bruto, PIB, nos países em desenvolvimento em até 8% ao ano, quantias da ordem de U$100 bilhões ao ano.
Na década de 1970, o professor Santim Gravena da UNESP Jaboticabal, um dos pioneiros na disseminação do conceito de Manejo Integrado de Pragas (MIP) e no uso de produtos biológicos no Brasil, defendia que uma agricultura resiliente depende da adesão de produtos biológicos e da promoção de práticas agrícolas sustentáveis e integradas, um manejo misto. Nessa época, décadas atrás, o segmento de biológicos, então avaliado em alguns milhões e pouco compreendido no Brasil, cresceu significativamente. Um estudo realizado pela CropLife Brasil com a S&P Global projeta um valor de R$ 17 bilhões para o mercado de bioinsumos até 2030. O entendimento do manejo integrado de diferentes práticas e soluções, fez o Brasil ser referência nesse segmento.
Aprendendo com essa história, acredito que uma solução criativa para desacelerarmos a degradação do solo, e portanto, a perda das suas funções ecossistêmicas, seja o Manejo Integrado de Fertilizantes, onde para cada conjunto de minerais naturais já existentes no solo é necessário implantar um conjunto de soluções adaptadas e calibradas para aquele local. Ao identificarmos o melhor par tecnológico entre mineral primário (litogenético) formado na rocha com mineral secundário (pedogenético) formado no solo e já existente lá, podemos acelerar o processo de gênese e seus impactos positivos nas funções ecossistêmicas do solo, relacionadas direta e indiretamente com os minerais ou tipos de argila.
Conclusão
Em suma, os Remineralizadores de Solo são uma solução promissora para melhorar as funções ecossistêmicas do solo via “fabricação natural de novos minerais”, além de contribuir significativamente para atingirmos as metas globais dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS-ONU). Ao promover a formação de mi-nerais secundários, esses produtos não apenas beneficiam a produtividade agrícola, mas também melhoram o aproveitamento de outros insumos e a resiliência do solo.
Contudo, é essencial superar desafios como: (1) barreiras quanto ao entendimento e valorização das linhas de pesquisa em mineralogia de solos tropicais, expandido nosso ponto de vista muito além da porcentagem de matéria orgânica no solo e da análise granulométrica que avalia a quantidade de argila; (2) avaliação dos resultados e o desenvolvimento de metodologias adequadas para monitorar as mudanças mineralógicas no solo, a causa de muitas consequências que ainda estão sem explicação no campo. Investir, dialogar e superar esses desafios não apenas fortalecerá a agricultura regenerativa brasileira e a temática da saúde do solo tropical, mas também permitirá uma melhor compreensão das perdas invisíveis do solo, além de proteger o valor econômico das funções ecossistêmicas do solo, essenciais para a segurança alimentar e a conservação ambiental global.
Diego Silva Siqueira: Graduado e Pós-graduado em Geofísica aplicada à ciências agrárias e ambientais, modelagem matemática, agricultura digital e gestão da pesquisa e desenvolvimento. Atualmente é professor na UNESP no Programa de Pós-graduação em Ciência do Solo e professor no SolloAgro-ESALq USP, em Agricultura Digital. É Diretor Executivo na Quanticum – Tecnologia em Análises e Mapeamento. Publicou mais de 80 artigos em revistas científicas de impacto internacional no tema de solos, sensores e indicadores ambientais.
Referências Bibliográficas:
BIOTA-FAPESP e o serviços ecossistêmico da polinização; Disponível em < https://agencia.fapesp.br/servicos-de-polinizacao-representam-10-do-valor-da-producao-agricola-mundial/18807 >
Boletim SBCS Volume 43 Número 2; Disponível em < https://www.sbcs.org.br/wp-content/uploads/2017/09/boletimsbcswebsetdez.pdf >
Boletim SBCS Volume 43 Número 3 < https://www.sbcs.org.br/wp-content/uploads/2018/01/boletimsbcs32017ebook_03_01_2018_10_45_30_id_36404.pdf >
Livro SBCS “Química e Mineralogia do Solo – Volume Único”; Disponível em < https://www.sbcs.org.br/loja/index.php?route=product/product&path=59&product_id=140 >
Livro SBCS “Tópicos em Ciência do Solo – Volume XI”; Disponível em < https://www.sbcs.org.br/loja/index.php?route=product/product&path=59&product_id=148 >
Mercado de biológicos no Brasil; Disponível em < https://croplifebrasil.org/noticias/biodefensivos-cada-vez-mais-presentes-no-campo/ >
ONU – Impactos da degradação e perdas das funções ambientais do solo; Disponível em < https://news.un.org/pt/story/2019/06/1676501 >
Relatório “The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB) for Agriculture & Food: Scientific and Economic Foundations”; Disponível em < https://teebweb.org/our-work/agrifood/reports/scientific-economic-foundations/ >
Revista Pesquisa FAPESP “Novas técnicas apuram a identidade dos solos”; Disponível em < https://revistapesquisa.fapesp.br/novas-tecnicas-apuram-identidade-dos-solos/ >
Serviços ecossistêmicos e pagamento por serviços ambientais: aspectos teóricos e estudo de caso; Disponível em < https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1146442/servicos-ecossistemicos-e-pagamento-por-servicos-ambientais-aspectos-teoricos-e-estudo-de-caso >
Workshop Remineralizadores “Tropicalizando as soluções da natureza para uma agricultura regenerativa”; Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=yeeOyHDYZOQ&t=4s >