Geólogo pela UFRJ, mestre pela Universidade da Califórnia (1966) e doutor pela Universidade Manchester (1972) a área de geologia.
Em artigo escrito juntamente com a geóloga Suzi Huff Theodoro, o geólogo, doutor e professor emérito da Universidade de Brasília, Othon Henry Leonardos defende uma nova visão sobre o tema da sustentabilidade, que não esteja submetida a ideologias econômicas, mas que promova a união entre a ciência e a diversidade de culturas e crenças. “Embora possamos ser, por um lado, povos tradicionais que veem a Terra como sagrada e, por outro, colonizadores que possuem a terra e a usam e consomem sem qualquer consideração pela sua sustentabilidade, é hora de pensar sobre onde nós vamos”, reflete no texto publicado pela Academia Brasileira de Ciências.
O professor Othon Leonardos é um dos precursores no estudo de Remineralizadores de Solo e suas pesquisas fornecem caminhos para o desenvolvimento de novas técnicas e produtos utilizados atualmente dentro dos princípios da Agricultura Regenerativa, auxiliando inúmeros produtores rurais e profissionais dispostos a investir em técnicas mais éticas e responsáveis.
Nesta edição especial da Novo Solo, conversamos com o Professor Othon Leonardos sobre passado, presente e futuro. Confira a entrevista.
1 – Como o Sr. avalia a evolução do tema agricultura regenerativa no Brasil?
Agricultura regenerativa é um termo criado pelo diretor Robert Rodale, da Rodale Inc. da Pensilvânia, para afirmar que a prioridade n.1 da agricultura é a saúde do solo, implicando a criação de sistemas agrícolas que funcionem em harmonia com a Natureza. Além da agricultura, a empresa era voltada para publicação de livros e revistas sobre saúde e estilos de vida e a instalação de velódromos.
Desde então o termo vem sendo aplicado para significar uma agricultura comprometida com sustentabilidade ambiental, sendo utilizado pela Embrapa com esta conotação para diferenciá-la do agronegócio, sem comprometimento com a Natureza. Faço votos para que nossas empresas agrícolas sigam a agricultura regenerativa na contramão do `agrobusiness´ que devasta o solo e sua biota e, ainda, utiliza, de forma equivocada, uma quantidade excessiva de fertilizantes solúveis, importados do leste europeu, a preços absurdos, que consome e depleta as divisas de nosso país.
2 – O senhor já produziu inúmeros estudos sobres a importância dos povos originários para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Em que medida o conhecimento ancestral influenciou o estudo sobre os Remineralizadores?
Meus trabalhos sobre rochagem, ou seja, com os remineralizadores, antecedem meu convívio com indígenas brasileiros. Entretanto, posteriormente, no convívio com cerca de duas dezenas desses povos (entre cerca de 300 etnias conhecidas) observei que usualmente sua agricultura é do tipo slash and burn com alternância de plantio após a rebrota da floresta, com solos renovados. Alguns povos amazônicos usam a estratégia de acumular matéria orgânica, gerando o que tem sido chamado de “terra preta de índio”. Eles retiram e acumulam a fertilidade do solo.
Outro aspecto importante, é que eles – os povos originários – tinham e têm o conhecimento empírico e sabem que em solos próximos a determinadas rochas, por exemplo diques de basaltos, suas colheitas aumentam. Entretanto, até recentemente, não poderiam produzir remineralizadores a partir de pós de rochas, pois não tinham conhecimento e/ou equipamentos para explorar pedreiras, triturar e moer as rochas que eles sabiam ser naturalmente férteis.
3 – Em sua opinião, faltam políticas públicas para que os Remineralizadores de Solo sejam de fato, amplamente utilizados na agricultura?
O que falta é o conhecimento pelo poder público e muitos de seus dirigentes de que com o uso de remineralizadores é possível resolver o problema de como fertilizar solos, fornecendo uma gama de cerca de 30 nutrientes balanceados, a baixo custo a partir de rochas encontradas em todas as regiões do país. O uso extensivo de fertilizantes altamente solúveis elaborados a partir de materiais importados do leste europeu, norte da África e Estados Unidos, a um custo altíssimo, me parece absolutamente desnecessário a não ser em quantidades mínimas em determinados plantios como de hortaliças que necessitam um rápido arranque. A lei federal, de nº 12.890 de dezembro 2013 (posteriormente regulamentada pelo Decreto nª 8384/2014 e pelas Instruções Normativas 5 e 6 de 2016), que teve uma contribuição importante de Suzi Huff Theodoro, regulamenta o uso de Remineralizadores de Solo e é amplamente discutida e exaltada no site da ABREFEN, uma associação sem fins lucrativos, recentemente criada com a missão de agregar o setor mineral voltado para esse segmento. Também a Embrapa, empresa há décadas dedicada a inovação tecnológica na agricultura de solos tropicais, vem mais recentemente respaldando o uso dos remineralizadores, o que fortalece tanto a pesquisa quanto a ABREFEN, de forma que essa possibilidade tenha relevância não só para o Brasil, mas para todos os demais países de clima tropical úmido.
4 – O uso de insumos ambientalmente sustentáveis, como os Remineralizadores de Solo, pode interferir na qualidade de vida da população? Em que sentido?
Sim, remineralizadores a partir de rochas como basaltos, lamprofiros, kamafugitos, sienitos, fonolitos etc, que contém uma ampla variedade de nutrientes em proporções adequadas são essenciais na nutrição de plantas sadias que alimentarão, de forma saudável e completa, quem os consomem. Cada cultura, seja de café, milho, soja, cana-de-açúcar, cada árvore frutífera necessita de uma variedade de elementos químicos diferentes em quantidades equilibradas.
Sua ausência acarretará uma extensa lista de sintomas, como atraso no crescimento e deficiências nutricionais específicas em cada cultura. Essa carência, derivada do uso de fertilizantes sintéticos, causou o que podemos chamar de erosão nutricional. Porém, o uso dos remineralizadores tem o imenso potencial de corrigir essas deficiências, valorizando não só os produtos, mas o ato de produzir alimentos de verdade.
5 – O Sr. Acredita que práticas mais sustentáveis na agricultura têm espaço no mundo contemporâneo onde predomina o imediatismo e a produção em larga escala?
Sim, é preciso acreditar que o mundo pode melhorar com as práticas anteriormente mencionadas a despeito do atual perfil imediatista predominante e da insensatez humana. Eu acredito que essa perspectiva imediatista (que causa uma busca insana pelo aumento da produção e da produtividade), afasta e dificulta os laços de pertencimento da espécie humana na teia da vida, a qual precisa ser harmonicamente equilibrada, com gente, plantas e passarinhos. Essa teia representa a origem de nossa criação e o futuro que queremos ter. Precisamos lembrar que no passado, numerosas espécies foram descartadas por ficarem em desequilíbrio com a Natureza. Não estaríamos caminhando para esse colapso? Precisamos respeitar os limites da terra como fazem nossos irmãos indígenas e as populações tradicionais. Acredito que ainda há tempo de corrigirmos nosso rumo, como bem ressalta o Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si sobre o cuidado com a nossa casa comum, quando menciona que não há saída se não cuidarmos do ambiente no qual vivemos. Também Leonardo Boff, no término de seu livro – Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres – frisa essa necessidade urgente, quando reproduz o discurso do Cacique Seatle que nos mostra, de uma forma poética, que somos todos irmãos. Essa mesma verdade já era mencionada no final do século XIX, pelo paleontólogo Teilhard de Chardin, que dizia que evoluiremos criando a Noosfera, a esfera da Consciência.
Como o Sr. vê o uso dos recursos naturais, principalmente do solo, no Brasil? E o que esperar do futuro?
Parte da resposta a esta pergunta está detalhada no artigo que escrevi com Suzi H. Theodoro, disponível nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, v.93 n.1 em 2021 (https://doi.org/10.1590/0001-3765202120181226). Estamos percebendo a chegada do Apocalipse? Estamos no limiar de um período de renovação após um intenso desastre? Estamos aumentando a esfera da consciência? O futuro de nossa espécie é incerto, como já diz o antigo mito de Gilgamesh, na Mesopotâmia – o mundo não necessita parar, ele somente se livra daqueles que ficam fora da teia da vida. Eu quero crer que devemos vislumbrar curumins correndo ao longo das praias amazônicas, pois esses pertencerão a uma nova espécie que se sente como filhos e filhas da natureza que amam e respeitam. Serão eles os sobreviventes do porvir que se aproxima?
Sobre o entrevistado
Othon Henry Leonardos é geólogo pela UFRJ, mestre pela Universidade da Califórnia (1966) e doutor pela Universidade Manchester (1972) na área de geologia. É professor titular aposentado da Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é professor emérito da UnB havendo atuado no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB onde exerceu a função de coordenador do mestrado profissional em desenvolvimento sustentável junto a povos e terras indígenas. Lecionou indigenismo e sustentabilidade e seminários sobre metodologias de pesquisa interdisciplinar, dialogando ciências humanas e ciências da Terra. É autor de duas centenas de publicações, com trabalhos fundamentais em geoquímica, metamorfismo, gênese de depósitos minerais, kimberlitos e rochagem para uma agricultura sustentável havendo orientado dezenas de teses, dissertações e monografias. Suas novas linhas de pesquisa são políticas públicas, cultura e sociedade e território, meio ambiente e sociedade.