Por: Antonio N. S. Teixeira
A justificativa, que deu origem ao modelo de adubação solúvel, dominante nas últimas décadas, é: “Para que as plantas consigam absorver os nutrientes minerais, eles precisam estar solúveis na água do solo, porque, afinal, as raízes não comem, elas absorvem os nutrientes na forma líquida.”
Essa afirmação, endossada (até hoje!) pela maioria dos pesquisadores, representa uma visão míope do sistema solo-planta. Uma visão que não considera as funções exercidas pelos organismos que vivem no solo, especialmente os que habitam a rizosfera, uma espécie de interface entre a planta e o solo. Na verdade, quanto menor for a quantidade, diversidade e atividade desses organismos edáficos, mais aquela afirmação vai se tornando de fato uma realidade.
Qualquer organismo vivo, incluindo o seu e o meu, pode precisar de um “soro na veia” quando, por algum motivo, não está conseguindo realizar com eficiência as suas funções naturais. Podemos ficar em um hospital, recebendo os minerais que necessitamos, através da via endovenosa. No entanto, recuperada a nossa saúde, o médico retira aquela “mangueirinha” que levava o soro com os minerais diretamente ao nosso sangue, não é mesmo? Aí voltamos a nos alimentar de forma natural, ou seja, mastigando os alimentos e submetendo-os ao nosso trato digestivo, onde as bactérias farão o restante do trabalho de liberação dos nutrientes.
Da mesma forma acontece no organismo vivo chamado SOLO. Ninguém precisa adubar uma mata nativa, certo? Quem já plantou onde era mata sabe que as melhores colheitas acontecem nos dois primeiros anos. Mas, após alguns anos de uso, a necessidade de adubo começa a aumentar, surgem as pragas e doenças, o solo vai se tornando duro… o que será que acontece?
Caso um pouco diferente são os solos do Cerrado. Inicialmente pobres, precisam ser corrigidos com calcário e fósforo, depois adubados com os demais nutrientes minerais, para nos proporcionar boas colheitas. Mas daí a alguns anos… começam as pragas e doenças, a compactação, os nematoides, igualzinho ao solo que foi mata. Parece que o modelo de adubações solúveis funciona bem, em ambos os solos, apenas por um certo tempo. Depois, a degradação começa a mostrar suas garras.
Portanto, já se sabe que o uso continuado e excessivo de fertilizantes químicos altamente solúveis, e a consequente necessidade do uso dos agrotóxicos, levou nossos solos a um estado lastimável de degradação física e biológica. Porque desprezamos a vida contida nele, bem como suas funções vitais. Porque agimos como se o solo estivesse morto e então, de fato o matamos. Então, o “milagre” dos fertilizantes solúveis é esse: conseguir fazer um solo morto atingir altas produtividades!
Nesse momento, surgem algumas perguntas naturais. É necessário matar o solo para termos altas produtividades? Ou ainda, é possível obter altas produtividades sem matarmos o solo? Vejamos o que nos ensina a natureza, a MÃE de todas as ciências e o melhor exemplo de perfeição e eficiência que temos por aqui.
Os vegetais povoam nosso planeta há muito mais tempo do que os animais. Isso demonstra o sucesso de suas estratégias de sobrevivência. Ao observarmos o modo como os animais se alimentam, percebemos que, desde um leão até uma ínfima bactéria, todos conseguem correr, nadar, enfim, se deslocar até o alimento. Mas as plantas não. Elas sintetizam seu próprio alimento, enquanto tomam sol! Por isso são chamadas de seres autotróficos; aquele que consegue produzir seus próprios alimentos. Para isso usam a energia luminosa do sol. Os demais habitantes da Terra (algumas bactérias e algas são exceções), precisam comer um vegetal, ou um animal que comeu vegetais, para obter a energia necessária à sua vida.
Apesar de produzirem seus carboidratos, suas proteínas etc, ficam faltando à grande maioria das plantas, elementos minerais, como o potássio, o cálcio, o magnésio, que não se encontram no ar, nem na água, em quantidades suficientes. E… onde estariam eles? Nas rochas!
Então a natureza convoca os microrganismos para seu trabalho mais importante: o intemperismo das rochas. Foi necessário a eles, micronizar a camada superficial das rochas (pedosfera) para que a Terra criasse o SOLO. Um metaorganismo fértil que nos alimenta, a partir dos frutos vegetais que gera. Dentro dele, são os organismos que transportam, solubilizam e assim disponibilizam os minerais às plantas. Dessa forma, resolvem a questão da imobilidade vegetal; da sua impossibilidade de “correr atrás”.
Como as raízes precisam também de água e ar, os organismos do solo conseguem sintetizar substâncias capazes de unir as pequenas partículas de solo em agregados maiores, gerando assim espaços entre eles. Os maiores, chamados macroporos, permitem a rápida absorção da água das chuvas, evitando a erosão e ainda facilitando o crescimento das raízes. Os menores, microporos, conseguem reter a água, impedindo que ela desça muito rápido até o lençol freático. O ar também circula por eles, ocupando os espaços onde a água não está.
Quando a natureza combinava todo esse trabalho com os organismos do solo, surgiu uma pergunta por parte deles:
- Como estaremos envolvidos, construindo o solo e servindo às plantas, será que teremos tempo para procurar alimento para nós? Então a natureza lhes disse:
- Não se preocupem com isso. Além de poderem explorar as raízes mortas, vocês receberão alimento pronto, já elaborado, através dos exsudatos radiculares das plantas. O que estou dizendo é que uma parte do alimento produzido pelas plantas, elas dividirão com vocês! Quanto mais espécies vegetais, maior a possibilidade de agradar a todos.
E assim, a natureza criou o sistema solo-planta, que, entre outros recursos, viabilizou a vida sobre a Terra. É quem nos alimenta, depois que largamos o peito de nossas mães. Deveríamos, dessa forma, proteger tanto o solo, quanto protegemos nossas mães. Pense nisso!
Agora podemos responder à pergunta feita anteriormente. Escolheria a mais inteligente das duas:
- É possível obter altas produtividades sem matarmos o solo aos poucos?
Resposta: felizmente SIM! Mas para isso precisamos observar, conhecer e mimetizar a natureza. Ou seja, fazer a verdadeira ciência, que nos possibilite ensinar o produtor a produzir sem degradar, nesses solos tropicais. Precisamos também, estar atentos aos interesses comerciais, às vezes fantasiados de “ciência”, para não nos iludirmos com soluções fáceis, que, na verdade irão dificultar muito a vida das gerações futuras.
No caso dos solos tropicais, a equação já está parcialmente resolvida. Já temos um rumo:
- É preciso proteger, manter e expandir a vida contida no interior dos nossos solos!
A partir daí, mais da metade do curso de Agronomia passa a ser responder… COMO? E assim foi criada a ART – agricultura regenerativa tropical, cujos objetivos são:
- Produzir alimentos saudáveis;
- Regenerar os solos tropicais;
- Sequestrar Carbono e reduzir a emissãode GEE.
Observe que, cumprindo os dois primeiros, o terceiro é automático.
Sabemos que algumas rochas, quando finamente moídas, se transformam em remineralizadores do solo, ou em fertilizantes naturais, dependendo da classificação dada a elas pelo MAPA. São ferramentas importantíssimas dentro da ART. Também já sabemos que essas ferramentas não funcionam em solos sem atividade biológica, ou melhor, em solos mortos.
Pois bem, a compostagem clássica moderna, foi usada por algum tempo, basicamente para tratar, dar um “sumiço” ou destino adequado, aos passivos ambientais de origem animal ou vegetal. Na prática, ela utiliza a fermentação microbiana para “queimar” dois terços do material, que acaba evaporando, enquanto um terço fica, na forma de adubo orgânico.
A compostagem tropical tem outros objetivos:
- Produzir um substrato pré-biótico que é alimento de qualidade para a biota do solo;
- Produzir um pró-biótico que inocula o solo com comunidades microbianas benéficas;
- Produzir substâncias orgânicas que ajudam a estruturação física do solo;
- Fornecer minerais quelatizados e ácidos orgânicos para as plantas.
Por se tratar de um protocolo de compostagem mais rápida, a tropical, ao contrário da clássica, preserva mais de dois terços do volume inicial de materiais submetidos ao processo. Nesse ponto, temos ao menos duas escolhas: ou adicionamos as rochas no início do processo de compostagem, submetendo-as a um contato mais íntimo com os ácidos e enzimas resultantes da ação microbiana sobre os resíduos, ou adicionamos as rochas ao final do processo, para que sejam aplicadas ao solo com o composto.
A melhor opção depende de alguns fatores e daria um novo e extenso artigo. Aqui, gostaria apenas de enfatizar que a sinergia entre o composto tropical e os remineralizadores e fertilizantes naturais, é enorme. O primeiro é poderosa ferramenta para proteger, alimentar e aumentar a vida no solo. Desta forma, ele cria as condições para os últimos poderem funcionar no solo, liberando gradualmente seus elementos minerais. Aliás, liberar dezenas de minerais no solo, de forma gradual, não é algo agressivo, mas sim torná-los jovens novamente!
Outras vantagens dessa forma de adubação é que diminuímos drasticamente problemas como salinização, acidificação, atratividade aos insetos, consequentemente aumentamos a tolerância das plantas aos estresses bióticos e abióticos.
Com o controle biológico das pragas e doenças, as plantas de cobertura, o sistema de plantio direto na palha e as integrações ILP e ILPF, esse é o desenho da nossa recém-nascida ART – agricultura regenerativa tropical, que veio para ficar e cumprir sua nobre tarefa de regenerar nossos solos, enquanto produz alimentos dignos de serem consumidos por nós. Como diria a Dra. Ana Maria Primavesi:
Solos saudáveis, alimentos saudáveis, seres humanos saudáveis!
Contatos: @agrolibertas / @ibasustentavel
Fotos: Arquivos Libertas