Remineralizadores de solos para fortalecer a segurança alimentar e nutricional

Suzi Huff Theodoro

Introdução

A sociedade global contemporânea vive um momento de grande inquietação com os rumos do seu futuro. A recente guerra deflagrada no leste Europeu amplificou embates, disputas e privações que se espalham e avolumam em todos os países. Inflação, redução na oferta de insumos que garantem a geração de energia e a produção de alimentos, aumento dos desastres provocados por eventos climáticos extremos e avanço generalizado da pobreza estão entre os desafios a serem enfrentados.

Nem mesmo o controle sobre a produção e a oferta de insumos e de produtos tem sido uma salvaguarda diante das crises, já que os embates se manifestam em todos os lugares. Ainda que de forma distinta, ricos e pobres estão sendo afetados. Nunca se discutiu tanto sobre a relação entre produção de alimentos, segurança alimentar e nutricional e preservação dos recursos ambientais.

No que se refere à segurança alimentar, começa-se a compreender que mais do que garantir a quantidade de alimentos para suprir a demanda crescente, é necessário buscar qualidade nutricional e atendimento de práticas de produção mais sustentáveis. Nesse cenário, novas ferramentas e tecnologias ganham espaço, em especial nos países que precisam enfrentar problemas tão antagônicos como a fome e a sustentação dos altos índices de produtividade.

O Brasil vive este paradoxo. O país é um dos quatro maiores produtores de grãos e proteína animal do planeta, mas grande parte dessa produção é voltada ao mercado internacional, ávido por produtos de baixo valor agregado. Ao exportar produtos semiprocessados, garante ganhos no curto prazo, mas deteriora o seu estoque de recursos ambientais que sustenta o modelo produtivo no médio e longo prazos. Junto com grãos e carne, exporta-se solo fértil, água e energia barata. Outro contrassenso é que apesar da alta produtividade obtida, os indicadores de insegurança alimentar vêm aumentando, o que remete a um questionamento sobre a efetividade dos resultados, ainda que aparentemente se apresentem como um sucesso econômico.

Este texto pretende discutir parte dos motivos que levam a esse paradoxo. O país é perdulário no uso de fertilizantes (usa mais do que o necessário) aumentando os custos de produção. É displicente na logística de distribuição dos produtos (cerca de 30% se perde durante o transporte e comercialização) e é negligente ao privilegiar a produção de commodities ao invés de alimentos – o que desequilibra a oferta para atender a demanda interna. Para alterar este modelo é preciso, além de políticas públicas que solucionem os pontos contraditórios, novas práticas produtivas. Nesse sentido, o uso dos remineralizadores de solo (eventualmente denominados agrominerais) surge como uma grande oportunidade para o país. Este tipo de insumo é amplamente disponível em todo o território brasileiro (graças a sua imensa geodiversidade); é mais acessível do ponto de vista de custos e de logística; e é facilmente aplicado ao solo com resultados produtivos adequados.

Entre outros benefícios, os remineralizadores também favorecem a reestruturação do solo e ampliam a oferta de nutrientes, garantindo produtos mais ricos do ponto de vista nutricional. Provavelmente, esses aspectos são os que carregam maior conexão com a segurança alimentar e nutricional. Ao utilizar insumos disponíveis nas proximidades das propriedades com uma maior variedade de nutrientes e com garantias dos níveis de produção, está se favorecendo o cultivo de alimentos mais baratos e de melhor qualidade. Ao mesmo tempo, o uso dos remineralizadores pode assegurar uma maior autonomia e independência do país no que se refere aos fertilizantes. O uso de insumos disponíveis no território nacional surge como uma oportunidade para o Brasil solucionar o paradoxo entre a insegurança alimentar e nutricional e os altos índices de produtividade agrícola, atentando para padrões mais seguros econômicamente e ambientalmente – tanto para atender o ávido mercado de commodities como a sua população.

Segurança alimentar e nutricional

O acesso à alimentação segura e nutritiva é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Segundo este Organismo, o combate à fome é um desafio global que deve ser enfrentado e erradicado até 2030, de forma que se possa garantir que as pessoas tenham acesso regular a alimentos de alta qualidade e suficientes para levar uma vida ativa e saudável (FAO, 2022).

O Brasil, como a grande maioria dos países, aderiu ao pacto global para combater a fome e as desigualdades de acesso aos alimentos. O país criou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), instalado em 2003. Em 2006, foi sancionada a Lei nº 11.346 que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). O CONSEA, convertido em um dos instrumentos da Lei, tornou-se um mecanismo de articulação entre governo e sociedade civil na proposição de diretrizes para as ações na área da alimentação e nutrição. Tinha como competência institucional apresentar proposições e exercer o controle social na formulação, execução e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional (SAN). Essa politica (SAN) deve ser entendida como um direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.

Porém, apesar dos avanços no combate à fome e ao fortalecimento de politicas de acesso à alimentação, em 2019 o CONSEA foi extinto pela Lei nº 13.844/2019, juntamente a outros órgãos consultivos, o que fragilizou avanços anteriormente conquistados. Para Castro (2019), esta ação foi um equivoco, já que o CONSEA teve um papel importante na concepção e/ou no aprimoramento de políticas públicas que garantiam a SAN no Brasil – entre as quais se destacam a Política e o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica; o Programa de Aquisição de Alimentos, entre outros.

Paralelamente ao enfraquecimento da politica, outros debates vêm sendo travados acerca do tema da SAN, em especial sobre a quantidade e a forma de distribuição dos alimentos já produzidos. Alguns autores mencionam que o mundo já produz alimento suficiente para garantir a segurança alimentar de toda a população do planeta. Mas não há consenso sobre esse ponto, uma vez que a fome ainda é um problema não resolvido no nível global e local. Uma provável causa deste contrassenso está vinculada à má distribuição da produção agrícola, já que os países mais ricos detêm os maiores estoque e consomem mais do 75% do que é produzido (FAO, 2022)

O problema foi agravado após a pandemia causada pela Covid-19. Segundo o mais recente relatório da ONU/FAO (2022), o número de pessoas afetadas pela fome globalmente subiu para 828 milhões de pessoas, desde o inicio da pandemia. O incremento no número de pessoas que vivem em insegurança grave ou moderada indica que o mundo está se distanciando dos ODS, especificamente dos de numero 01 e 02, que possuem como metas acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares e erradicar a fome, a insegurança alimentar e a má nutrição em todas as suas formas até 2030.

No Brasil, estes dados são igualmente impactantes. Depois de ter saído do mapa da miséria em 2014, o país retornou ao grupo de países que condena milhares de pessoas à fome e à insegurança alimentar. Segundo dados que constam no relatório da FAO (2022), no Brasil, a prevalência de insegurança alimentar grave em relação à população total aumentou de 1,9% (ou 3,9 milhões de pessoas), entre 2014 – 2016, para 7,3 (15,4 milhões de pessoas) entre 2019 – 2021. A prevalência de insegurança alimentar moderada aumentou 18,3% (37,5 milhões de pessoas) entre 2014 – 2016 para 28,96% (61,3 milhões de pessoas) entre 2019 – 2021. Esses dados indicam que quase 40% da população brasileira vive o risco de não acessar um padrão alimentar seguro.

Para a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), no contexto atual, a crise sanitária causada pela pandemia se sobrepôs à crise econômica e política que lhe era anterior. Os dados produzidos sobre a fome no Brasil, mostrados no II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), informam que entre o final de 2021 e inicio de 2022, somente cerca de 40% dos domicílios tinha garantia de acesso pleno aos alimentos. Em 28% dos domicílios havia instabilidade na alimentação dos moradores (IA leve). Em 30,7% foi relatada insuficiência de alimentos que atendesse às necessidades de seus moradores (IA moderada ou grave), e 15,1% convivia com a fome. Esse cenário é mais grave no meio rural em comparação às áreas urbanas, no qual 60% dos domicílios apresentava prevalências nas formas mais severas. Este dado é ainda mais dramático ao se analisar a população preta e parda, onde 64% dos chefes das famílias são vulneráveis à fome (Theodoro, 2022).

No Brasil, enfrentar o problema da vulnerabilidade social – que leva à insegurança alimentar uma parte expressiva da população – significa confrontar o histórico problema da exclusão social, determinada pela extrema desigualdade nas relações econômicas da sociedade (Leão e Maluf, 2012). Apesar da situação se espraiar por todo o país, ela é mais grave nas regiões Norte e Nordeste, em comparação às regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, sinalizando, talvez, que os benefícios do desenvolvimento agroindustrial e tecnológico não alcançaram aquelas regiões.

Os dados reforçam o tamanho do paradoxo que vive o Brasil. Repete-se, como um mantra, que o Brasil é responsável (ou tem potencial) por suprir a necessidade alimentar de cerca de 1,2 bilhão de pessoas no mundo. A questão mais elementar que deve ser respondida é: se isto é uma verdade, porque a população brasileira convive com moderadas a graves situações de fome e insegurança alimentar, quando a produção agrícola do País registra recordes de safras ano após ano? A resposta para essa questão não é simples, uma vez que envolve uma intricada combinação de fatores relacionados à economia, às politicas públicas, ao modelo de produção, de desenvolvimento e de acesso aos resultados relativos ao incremento tecnológico e de pesquisa.

No momento atual, outro ponto que não pode ser desconsiderado refere-se à crise provocada pelos altos custos dos insumos utilizados para assegurar as práticas adotadas pelo sistema agroindustrial. Nesse aspecto, o Brasil é extremamente dependente do mercado internacional, e nos últimos 10 anos tem importado, em média, cerca de 82% do que consome para manter o seu modelo de produção. A guerra na Europa oriental entre Rússia e Ucrânia agravou o problema, elevando os preços a níveis estratosféricos (com aumentos superiores a 300%, no caso das fontes de potássio). Segundo Theodoro (2022), a escassez e a restrição de acesso a esses insumos impactam países fortemente dependentes da importação das fontes solúveis, que compõem a mistura NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), intensivamente utilizada pelo setor agroindustrial.

Mas como mudar um modelo que tem mostrado repetidos recordes de safras e que contribui para assegurar superávit da balança comercial do Brasil? Existem opções? A resposta é sim. Uma delas refere-se ao uso mais parcimonioso e eficiente desses insumos, o que pode ser feito a partir da real necessidade nutricional dos solos e das culturas que se deseja produzir (soja, mandioca, milho, feijão, hortaliça etc.), nos distintos agroecossistemas. Outra opção consiste em apoiar a produção interna de fertilizantes (ainda que com reservas menores) e, principalmente, o incentivo ao uso de novas rotas tecnológicas. Nessa opção, destacam-se os remineralizadores de solos e os bioinsumos, ambos regulados por normatização própria e amplamente disponíveis em todas as regiões do país.

A adoção de novas rotas configura-se como uma estratégia importante para assegurar e manter o papel de vanguarda da agricultura brasileira, com a vantagem de garantir mais autonomia para o setor e para o País no que se refere ao abastecimento interno de insumos, além de apresentar potencial para mitigar mudanças climáticas, por meio da captura de carbono (Burbano et al., 2022).

Remineralizadores de solos: insumos multinutrientes

Nos últimos três anos, o uso de pós de rocha, no Brasil denominados remineralizadores conforme os pressupostos da tecnologia da rochagem, tem sido rapidamente difundido e incorporado em meio aos agricultores, o que sinaliza para uma mudança de paradigma. Os problemas de escassez e dos custos elevados provavelmente facilitam a adesão, o que pode resultar em uma transição no modelo produtivo brasileiro. Não se pode descartar, também, a consciência ambiental dos agricultores, que estão percebendo que para além dos benefícios produtivos, o uso de fontes disponíveis local/regionalmente acena para um modelo de produção mais aderente à agricultura de baixo carbono (ABC), que no futuro próximo resultará em um novo mercado no qual a principal commoditie será o carbono (não emitido ou sequestrado da atmosfera).

O Brasil tem garantido o seu protagonismo ao estabelecer o uso desses insumos na sua normativa legal. A Lei 12.890 de 2013 (Brasil, 2013) estabeleceu o conceito de remineralizadores e alterou a Lei nº 6.894/1980 (Brasil, 1980) ao inserir essa categoria como insumo de uso permitido no Brasil. Posteriormente, a edição da Instrução Normativas (IN) nº 05 de 2016, pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), estabeleceu as condicionantes e as garantias mínimas que os remineralizadores devem apresentar, de forma a obterem registro para sua comercialização e uso (Brasil, 2016).

Essas conquistas foram, em parte, possíveis devido ao acúmulo de resultados das pesquisas pioneiras de Leonardos et al. (1976) e Kromberg et al (1987), que sugeriam o uso de rocha moída para fertilizar o solo, segundo os pressupostos da tecnologia da rochagem. A partir dos anos 2000, uma série de novas investigações (Theodoro, 2000; Carvalho, 2012; Martins et al., 2016; Ramos, 2021, entre outras) ampliaram as hipóteses de pesquisa e mostraram que o uso das rochas moídas (com uma ampla gama de macro e micronutrientes) favorece a remineralização dos solos e seu rejuvenescimento (Leonardos et al., 2000; Theodoro e Leonardos, 2006 e 2015) e, portanto, tem amplas possibilidades para garantir produções iguais ou superiores àquelas obtidas por fertilizantes solúveis.

Ainda que os remineralizadores possuam solubilidade mais lenta, se comparados aos insumos químicos, eles compensam essa “fragilidade” com uma oferta mais diversificada de nutrientes durante períodos mais longos (van Straaten, 2009; Theodoro et al., 2021), sendo, por isso, mais resilientes. Adicionalmente, estudos de Carvalho (2012), Tavares et al. (2018) e Basak et al. (2018)mostram que a associação destes com determinados microrganismos solubilizadores de compostos químicos ou a adição de matéria orgânica amplia a oferta (solubilização) de nutrientes dos minerais. Essas associações incorporam o nitrogênio e o carbono, que são igualmente importantes para melhorar as características bioquímicas e físicas dos solos. As moléculas orgânicas produzidas por microrganismos, incluindo bactérias e fungos micorrízicos, são capazes de solubilizar os compostos minerais originando uma espécie de biofilme, que tende a criar um microambiente congênito que facilita a dissolução dos minerais formadores das rochas (Zhang et al., 2020). Esse processo é acelerado quando as rochas são moídas em distintas granulometrias, ou quando os minerais primários estão em processo de alteração (Theodoro et al., 2022; Manning ,Theodoro, 2018).

Mas ainda há muito o que se desvendar a respeito dos benefícios derivados da oferta multinutricional e sobre a dinâmica de liberação dos compostos, no que se refere à aceleração ou ao retardo das reações. A disponibilização de macronutrientes primários, em especial potássio (K) e fósforo (P), ainda é considerada uma condicionante fundamental, uma vez que as culturas agrícolas (em especial as de ciclo curto) possuem altas demandas por esses nutrientes. Estudos (Weerasuriya et al., 1996; Bard, 2006; Manning, 2010; Mbissik, et al., 2021; Santos, et al., 2021) têm mostrado resultados expressivos de liberação do K a partir de minerais como leucita, biotita, muscovita, K-feldspatos. Pesquisas de Setiawati e Mutmainnah (2016) destacam que a solubilização do K pode variar de acordo com a natureza e composição dos minerais, sua estrutura cristalina, grau de alteração e gênese, mas que a presença de ácidos orgânicos, secretados pelas raízes das plantas e pelos microrganismos, favorece o aumento da solubilidade do K (Yang, et al., 2020; Souza, et al., 2019).

Quanto ao fósforo (P), Hinsinger (2001) menciona que este nutriente é, provavelmente, o menos móvel e disponível para plantas na maioria dos solo – o que se converte em um fator importante ou mesmo limitante para o crescimento das plantas. Estudos de Hinsinger e Gilkes (1997) demostraram que a dissolução da rocha fosfática na presença e ausência de plantas cultivadas em um substrato que simula um solo ácido fixador de fósforo (sem fonte de P e Ca) se dá de forma diferenciada. Na ausência de plantas, o baixo pH do substrato resultou na dissolução de cerca de 8 a 30% da rocha fosfática a depender da dosagem aplicada ao substrato. Já na presença de plantas a dissolução foi maior na zona das raízes. Esse efeito resultou em uma diminuição significativa no conteúdo de Ca+2 total e um acúmulo concomitante de P dissolvido na rizosfera. Os autores sugerem que a redução na oferta de cálcio pode ter promovido a dissolução da rocha fosfática, e concluíram que um solo ácido, com a presença de plantas, pode mobilizar o P, em especial na rizosfera, quando combinado com cálcio. Nesse processo, a liberação do fósforo retido nas bordas (ou entre camadas) da estrutura cristalina das argilas 1:1 é facilitada e importante para solos tropicais (Theodoro et al., 2020), onde esse elemento pode estar retido (imóvel) na estrutura de argilas caoliníticas (Santos et al., 2021).

Apesar da importância atribuída à necessária presença de K e P, vale reforçar que um dos pontos mais positivos dos remineralizadores refere-se à ampla variedade de nutrientes que estes podem oferecer às plantas. O caso do silício (Si) é emblemático, uma vez que sua presença no solo favorece o desenvolvimento de grande parte dos cereais como trigo e arroz, além da cana-de-açúcar. Esse nutriente está acessível na totalidade dos minerais formadores das rochas silicáticas. Kelland et al. (2020) lembra que apesar do Si ser considerado um elemento não-essencial para as plantas, o nutriente é acumulado na parte aérea, trazendo benefícios para o rendimento e a resistência ao estresse abiótico (seca, salinidade e calor) e biótico (pragas). Além desses, cálcio (Ca), magnésio (Mg), ferro (Fe), enxofre (S), zinco, (Zn), molibdênio (Mo), selênio (Se) e muitos outros são importantes para que ocorram diversas trocas na zona das raízes e na nutrição das plantas, o que impacta diretamente na segurança nutricional da população.

No Brasil, a comercialização e uso dos REM vem crescendo de forma expressiva – especialmente nos últimos dois anos, em função dos problemas de escassez e dos altos preços dos fertilizantes solúveis. A produção e oferta desses insumos tem duplicado ano após ano (Theodoro et al., 2022). Dados ainda não publicados dão conta que, em 2022, serão comercializados cerca de três milhões de toneladas de remineralizadores e que, brevemente, o uso desses insumos alcançará cerca de 10% da área agrícola do país. Esses indicadores resultaram do rápido crescimento de empresas que já possuem o registro do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). São 46 empresas distribuídas em 10 estados brasileiros. Esse número deve continuar avançando rapidamente, pelo fato de que o Brasil possui um número significativo de empresas minerais de micro e pequeno porte que possuem materiais já lavrados (pedreiras de basalto e xisto, especialmente) e de uso adequado para a finalidade. Apesar disso, é importante reafirmar que nem toda rocha moída está apta ao uso como remineralizador de solo. Esses materiais precisam comprovar sua eficiência agronômica, além de atender às condicionantes e garantias mínimas estabelecidas na Instrução Normativa 05, de 2016 (MAPA), entre as quais destacam-se a soma de bases (K2O, CaO e MgO ≥ 9%) à porcentagem de sílica livre (na forma de quartzo ≤ 25%) e a presença máxima permitida de elementos potencialmente tóxicos (EPT), especificamente arsênio (As), cádmio (Cd), chumbo (Pb) e mercúrio (Hg).

Novas conexões

É recorrente a afirmação de que o Brasil é um dos mais importantes celeiros do mundo. Essa afirmação está amparada na expressiva produção agrícola brasileira, em especial nas culturas da soja, milho, café e cítricos. Mas esse propalado status esbarra em uma enorme fragilidade. O país não é autossuficiente na produção e oferta de fertilizantes, não participa da formação de preços desses insumos e a sua produção agrícola é direcionada à exportação, com baixa agregação de valores. A guerra entre Rússia e Ucrânia evidenciou que o “gigante” está vulnerável a um complexo mercado internacional, onde os principais produtores de fertilizantes detém o poder de estabelecer a oferta, as rotas e os preços.
De outro lado, um país que, apesar dessas fragilidades, conquistou todo esse destaque no setor produtivo, não pode permitir que parte de sua população viva em situação de insegurança alimentar. Ainda que a exportação de produtos agrícolas seja um negócio importante para equilibrar a balança comercial brasileira, não se justifica que ainda exista fome no Brasil. E, em especial, que essa ambiguidade ocorra nas áreas rurais, onde a imensa maioria da produção agrícola é obtida.

Este despropósito deixa claro que algo está errado. O sucesso econômico advindo do corrente modelo de produção não alcança a totalidade da população que vive nas áreas rurais e possui os maiores índices de insegurança alimentar. Isso significa que o propalado celeiro do mundo não consegue estabelecer uma justa distribuição de seus benefícios. E tão grave quanto a insegurança alimentar é a questão da qualidade nutricional dos produtos, já que a oferta de nutrientes presentes nos insumos solúveis é bastante restrita (cerca de dez macro e micronutrientes). O somatório de tais fatos desencadeou o que se convencionou chamar de pobreza nutricional, que trás reflexos na saúde e na qualidade de vida da população.

Esse aspecto é ilustrado em um estudo conduzido no Reino Unido, onde foi comparado o conteúdo nutricional de diversos alimentos (legumes, frutas e carnes), em dois diferentes períodos (1941 e 1991). Os autores do estudo (McCance; Widdowson, 2002) informam que para além de um profunda modificação na dieta alimentar dos ingleses, houve uma deterioração significativa no conteúdo mineral dos alimentos. Sugerem que além da deficiência substancial na diversidade de nutrientes houve uma ligação entre essa circunstância e o aumento das condições de doenças crônicas, agravada pelo uso cumulativo de diversos herbicidas, fungicidas e hormônios utilizados pelo modelo agrícola “dito” moderno. Entre outros produtos, eles citam o caso do tomate, por ser emblemático, e mostram que para se ingerir o mesmo conteúdo nutricional de um tomate produzido em 1941 seria necessário consumir 10 tomates produzidos em 1991. Mencionam a perda substancial dos teores de todos os macro e micro-elementos, mesmo de K e P que são intensamente utilizados a partir das adubações com NPK, mas destacam a perda expressiva de Cobre (Co), Molibdênio (Mo) e Zinco (Zn), causado, provavelmente, pelo esgotamento mineral dos solos. Estudo conduzido no Brasil (Burbano et al., 2022) confirma a relação direta entre o conteúdo nutricional da cultura da quinoa e diferentes insumos (remineralizadores, NPK e composto orgânico), mostrando que as plantas produzidas a partir do uso de remineralizadores possuem maiores quantidades de K, Ca, Mn e B se comparadas à adubação com NPK.

Para além do empobrecimento nutricional, mais recentemente outro problema que precisa ser enfrentado refere-se à exigência de que o processo produtivo encontre novas estratégias para mitigar e reduzir os efeitos que contribuem com a emissão de gases de efeito estufa.

Contudo, as crises têm o poder de apresentar novas possibilidades e caminhos. Resolver esse emaranhado de desafios não será uma tarefa fácil, mas é imperativo frente às possibilidades que se avistam para o futuro. Nesse cenário de incertezas, o Brasil tem uma importância crucial na busca de soluções. E pode-se dizer que nesta corrida contra o tempo, o país largou na frente quando regulamentou e permitiu o uso dos remineralizadores de solo. Além de garantir uma certa autonomia produtiva, possibilita-se a ampliação da quantidade e qualidade nutricional dos produtos. Não se trata de nenhuma fórmula extraordinária, mas de uma estratégia simples em seus pressupostos. Ao usar insumos amplamente disponíveis internamente (com eficácia produtiva), o Brasil torna-se mais independente do mercado internacional de fertilizantes – podendo, inclusive, estabelecer novas prioridades de práticas agrícolas e de tipos de culturas agrícolas que serão produzidas.

Não bastasse esse potencial, o uso dos remine-ralizadores amplia a qualidade nutricional das culturas agrícolas, já que seu material de origem – as rochas – comporta uma imensa diversidade de macro e micronutrientes. Como bônus adicional, os remineralizadores ainda carregam a possibilidade de capturar e armazenar carbono no solo e de preservar os recursos ambientais necessários à produção. Estamos, portanto, frente a um novo paradigma. Ao fortalecê-lo, estaremos realizando uma revolução de prioridades que pode nos remeter a um novo tempo de maior bonança, justiça social e segurança alimentar e nutricional.