O geólogo Éder de Sousa Martins é um dos principais estudiosos sobre Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais no Brasil e representou importante papel na fundação da ABREFEN. Nessa entrevista ele fala sobre a história dos remineralizadores e as tendências para fabricação e aplicação dos REM nos próximos anos.
1 – O que impulsionou os estudos sobre Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais no Brasil?
Os pesquisadores pioneiros e visionários impulsionaram os estudos sobre Remineralizadores de Solo (REM) e Fertilizantes Naturais (FN) no Brasil desde a década de 1950. O principal objetivo foi desenvolver alternativas regionais para a melhoria do manejo da fertilidade do solo. Estes pioneiros, com destaque para os geólogos Djalma Guimarães e Othon Leonardos, o biólogo José O. Siqueira, e o agrônomo Mário C. A. Lima, mostraram o caminho para os pesquisadores que assumiram esta linha de pesquisa no final da década de 1990, até culminar com a realidade atual. A Tese de Doutorado da professora e pesquisadora Suzi H. C. Theodoro, orientada por Othon Leonardos, é um marco sobre o tema desta nova fase da pesquisa. Da mesma forma, a Embrapa Cerrados iniciou neste mesmo período estudos sistemáticos agronômicos para o desenvolvimento destes insumos.
A partir da iniciativa da Suzi, junto comigo e outros atores institucionais, foi realizado em 2009 o I Congresso Brasileiro de Rochagem (CBR), em Brasília. A conclusão do I CBR era de que deveríamos desenvolver uma regulamentação destes insumos no Brasil. O esforço coletivo do Grupo de Trabalho interministerial (MME, MAPA, MCTI) da UnB e outras universidades, e pela Embrapa (GT Remineralizadores), a Lei 12.890 foi promulgada em 2013 e definiu os REM como novos insumos para a agricultura, mesmo ano do II CBR, que ocorreu em Poços de Caldas, local de registro no MAPA do primeiro FN fornecedor de potássio. Nesta edição do CBR, apresentei as bases para o desenvolvimento dos critérios para caracterização dos REM, que após discussões realizadas no II CBR e no GT Remineralizadores, o MAPA publicou a Instrução Normativa 5 em 2016, definindo os critérios que hoje são utilizados para registrar e fiscalizar os REM. Neste mesmo ano, ocorreu o III CBR em Pelotas, organizado pela Embrapa, um marco para o início dos registros dos REM. O IV CBR, realizado on line em 2021, sob liderança do Serviço Geológico do Brasil e da Universidade de Catalão, ocorreu junto com a criação da ABREFEN e do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF-2050), que reconheceu os REM como uma cadeia emergente de insumos para o manejo da fertilidade do solo.
Ao mesmo tempo, desde os anos 2010, agricultores começaram a buscar alternativas para o manejo da fertilidade do solo, uma vez que os custos das fontes importadas já diminuíam a viabilidade econômica da agricultura. Este movimento dos agricultores de todas as escalas, que buscam cada vez mais práticas biológicas, encontrou suporte na base de pesquisa desenvolvida neste período, que culminou atualmente em um crescimento exponencial de produção e consumo dos REM e dos FN.
Desde a regularização dos REM até junho de 2022, esses insumos já foram aplicados em cerca de 5 milhões de hectares, com índices de recompra pelo agricultor de 90%, a partir de 37 produtos registrados no MAPA nesse mesmo período. Isso mostra o sucesso da base científica e a ampla adoção da tecnologia pelos agricultores. Esta realidade torna o Brasil o principal player de desenvolvimento do tema, onde o desenho da regulamentação foi pioneiro, a pesquisa é mais pujante e mais se desenvolve e consome estes produtos.
2 – Quais características geológicas disponíveis no Brasil facilitam a produção de Remineralizadores de Solo?
O nosso país, além de megabiodiverso, é megageodiverso, tendo toda a diversidade de rochas com potencial para o desenvolvimento de REM e de FN. Os estudos realizados no Zoneamento Agrogeológico do Brasil (ZAG), escala 1:1 milhão (http://www.cprm.gov.br/imprensa/pdf/zag181205.pdf), uma parceria entre a Embrapa e o Serviço Geológico do Brasil, mostrou que em grande parte do território brasileiro existem rochas que tem potencial para serem utilizadas na produção de REM e/ou FN, favorecendo o desenvolvimento da agricultura regional.
3 – Quais são as regiões onde as fontes potenciais de rochas silicáticas para desenvolvimento de REM e de FN estão mais disponíveis no Brasil?
Todas as regiões agrícolas apresentam ocorrências importantes de fontes para REM e FN, como foi demonstrado na primeira edição do Zoneamento Agrogeológico (ZAG) do Brasil. No entanto, o estado de Minas Gerais apresenta o maior potencial de ocorrência, seguido pelos estados do Paraná e de Goiás.
4 – Por que é importante que o mercado agrícola conheça e utilize os remineralizadores de solo?
O mercado consumidor agrícola precisa conhecer estes insumos por serem uma alternativa econômica para o manejo da fertilidade do solo, causarem impactos ambientais positivos e o aumento da resiliência dos sistemas de manejo. Os REM são insumos que aumentam a eficiência de uso de nutrientes, melhoram o solo e a qualidade dos produtos agrícolas, ao mesmo tempo em que diminuem os riscos a estresses hídrico e biótico.
5 – Quais são os principais desafios na produção de remineralizadores em território brasileiro?
Existem muitos desafios no desenvolvimento de toda a cadeia dos REM. Atualmente, a indústria produtora destes insumos não consegue atender à demanda do mercado, mostrando que é necessário o investimento na ampliação da produção. A velocidade da ampliação da produção será maior ou menor a depender do investimento e financiamento desta indústria, que precisa desenvolver produtos com granulometria fina para que sejam eficientes nos solos agrícolas.
O PNF-2050 (https://static.poder360.com.br/2022/03/plano-nacional-de-fertilizantes-brasil-2050.pdf) indica que precisaremos de aproximadamente 75 milhões de toneladas anuais para remineralizar toda a área agricultável do país. Estima-se que em 2021 foram produzidos cerca de 3 milhões de toneladas desses produtos e cerca de 5 milhões de toneladas estão previstas para serem produzidas em 2022, números ainda muito aquém desta meta. Todos estes números estimados estão ainda sendo validados pela associação que representa o setor (ABREFEN) e devem ser divulgados no anuário mineral 2022. Políticas públicas precisam ser colocadas em prática para que esta cadeia emergente atinja todo este potencial. A primeira delas, depois da regulamentação dos REM, é o que foi colocado no Plano Safra 2022/2023, que prevê o acesso dos REM por crédito rural pelo agricultor na forma de investimento, de custo mais baixo e maior tempo de carência, em comparação à forma de custeio, como estava sendo praticado anteriormente.
Ao mesmo tempo que é necessário o investimento na indústria produtora de REM, que a ABREFEN representa, é fundamental também, a continuidade da pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos em todas as regiões, da tecnologia de manejo e sua difusão, além dos estudos dos impactos nas transformações da qualidade dos solos e dos produtos agrícolas.
6 – É possível falar em ganhos nutricionais dos alimentos a partir do uso de remineralizadores de solo nas culturas? Em que medida?
Ainda temos poucos estudos sobre a qualidade dos produtos agrícolas gerados em solos manejados com REM. No entanto, a pouca informação que temos indica que os “alimentos remineralizados” apresentam maior densidade nutricional, maior presença de substâncias funcionais e maior tempo de prateleira.
Uma das indicações sobre estes tipos de ganhos são constatados em prêmios de qualidade do café e produtividade de soja nos últimos anos em solos remineralizados.
7 – O que é imperativo para desenvolver ainda mais a cadeia dos REM no Brasil nos próximos anos?
Considero o investimento na indústria e o desenvolvimento do mercado cooperativo entre a indústria e a agricultura uma estratégia fundamental atualmente. Os chamados arranjos produtivos locais (APL) devem utilizar formas coletivas de negociação para garantir produção e consumo futuros.
A pesquisa deve continuar em todos os pontos da cadeia para a criação de novos REM e FN, seu manejo em diversas condições edafoclimáticas e de sistemas de produção, sempre no elenco de soluções regionais. Devo realçar que a eficiência dos REM depende das práticas de manejo, onde a intensidade dos processos biológicos é essencial. Solos fracos biologicamente vão apresentar baixa eficiência e precisam ser recuperados, ou regenerados, sendo a remineralização uma das estratégias básicas.
8 – Qual a tendência dos Remineralizadores e Fertilizantes Naturais?
A tendência é que a cadeia dos REM e dos FN seja efetiva em todo o território nacional. Somente a partir da indústria de produção de agregados para a construção civil, é possível desenvolver pelo menos quinhentos (500) REM e FN na forma de coprodutos, mais de dez vezes o número atual regulamentado pelo MAPA. Fora a pesquisa mineral ativa que está desenvolvendo minas exclusivas para este fim.
Os passos da pesquisa devem fortalecer as questões relacionadas à qualidade do solo e dos produtos agrícolas. As perguntas atualmente são sobre o papel dos REM no solo agrícola tropical em relação ao sequestro de carbono inorgânico e orgânico, à contribuição na qualidade física e biológica, e aumento de reservatórios de nutrientes e de água. Da mesma forma, a qualidade dos produtos agrícolas, seus aspectos funcionais, nutricionais e de tempo de prateleira, devem ser prioridades das pesquisas.
Em outras palavras, os REM e os FN constituem um dos ingredientes da Revolução Sempre-Verde, onde os processos biológicos e mineralógicos estão no centro do manejo de solos agrícolas tropicais.