Diretor Executivo de Pesquisa e Inovação da Embrapa
O Diretor Executivo de Pesquisa e Inovação da Embrapa, Clenio Pillon, conversou com a Novo Solo sobre o contexto dos Remineralizadores de Solo e as ações propostas pela empresa e pelo Governo Federal para o desenvolvimento de pesquisas e utilização dos insumos no Brasil.
Em sua participação no Workshop Remineralizadores – Tropicalizando as soluções da natureza para uma agricultura regenerativa, o executivo reforçou a importância dos REM e FN e o compromisso da empresa com o aprimoramento das pesquisas sobre esses insumos.
1 – Considerando o seu envolvimento de quase duas décadas com o tema, o senhor considera que os Remineralizadores de Solo são uma opção importante para a autonomia da agricultura brasileira? Por que?
Pillon – Sim. Os Remineralizadores se tornaram uma nova categoria de insumos agrícolas que o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) reconhece formalmente a partir da Lei dos Remineralizadores de Solo, que entrou em vigor em 2013. Esses insumos são, por sua natureza, gerados e consumidos dentro do país, portanto, beneficiam a economia nacional e, principalmente, o setor agrícola brasileiro. Assim como qualquer novo insumo, com o avanço do número de produtos formalmente registrados (mais de 60 produtos em todo o País, com destaque para os estados de MG, GO, SP, PR, RS) e aptos para comercialização e uso, está ocorrendo a expansão desse setor, o que permite que o produtor tenha mais uma alternativa de insumo para ampliar a qualidade do seu solo. Vale lembrar que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas, ao mesmo tempo é o país que apresenta a maior fragilidade pois importa mais de 80% dos fertilizantes que utiliza. Por outro lado, a adoção de Remineralizadores de solo (REM) tem crescido muito desde a publicação da normativa que rege os REM (IN 5, 2016). Atualmente, esses insumos são utilizados por pequenos e grandes produtores, desde a agricultura familiar até o agronegócio.
2 – Quais benefícios diretos e indiretos relacionados ao uso dos Remineralizadores de Solo o senhor pode nos apontar?
Pillon – Os Remineralizadores têm na sua concepção geral a ideia de recuperar a qualidade produtiva dos solos brasileiros, que são em grande parte altamente intemperizados (processo caracterizado pelo desgaste natural dos corpos rochosos), e muitos possuem degradação de sua qualidade, como é o caso de área de pastagens degradadas. Tal como acontece com os calcários e os fosfatos naturais, a composição dos REM é essencialmente composta por minerais primários, com a diferença que os REM são mineralogicamente mais complexos. Esses minerais precisam ser quebrados e moídos para reagirem no solo e formarem os minerais secundários, liberando nutrientes para as plantas. A diferença é que os REM não corrigem de uma só vez as deficiências nutricionais do solo, por isso, não podemos de modo algum deixar de lado o uso dos insumos tradicionais que já existem e que foram desenvolvidos para tal.
Dessa forma, entendo que o principal benefício dos REM é a recuperação de funções primárias (capacidade de troca de cátions, (formação de novas fases minerais, liberando nutrientes e formando argilominerais), retenção e disponibilidade de água, sequestro de carbono, formação de microambientes para favorecer a microbiologia do solo,) e aumento gradual dos estoques de fases minerais. Muitos desses efeitos indiretos dos Remineralizadores se assemelham aos efeitos da matéria orgânica no solo.
3 – Em sua opinião, quais são as limitações e os desafios para que esses insumos sejam utilizados de uma forma mais ampliada na agricultura brasileira?
Pillon – Assim como já ocorre com o aproveitamento de resíduos orgânicos (camas de aviários, dejetos líquidos de suínos, compostos orgânicos e lodos de ETEs) na agricultura brasileira, os Remineralizadores de Solo são produtos de ocorrência e uso regional, ou seja, seu raio econômico é fortemente influenciado pelo custo de transporte e aplicação. Dessa forma, as áreas de produção devem ter à disposição, a uma distância não muito grande (alguns estudos preliminares sugerem um raio máximo de 150 km), um leque de opções de produtos regionais, testados e registrados no Mapa, com controle de qualidade aferido.
Outra limitação é que existem rochas que podem não ser agronomicamente eficientes, ou que possam apresentar na sua composição algum contaminante e, dessa forma, tais materiais continuam sendo rochas não aptas (por exemplo, rejeitos de mineração com contaminantes) e não Remineralizadores de Solo. O desafio hoje é mostrar para o setor mineral e para o setor agrícola-produtivo que não é qualquer material de origem mineral que poderá ser aplicado no solo, é necessário ter a sua viabilidade técnica confirmada. A criação da ABREFEN (Associação Brasileira dos Produtores de Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais) e seu braço editorial representam uma evolução no sentido de ampliar a representatividade e o conhecimento sobre esse tipo de insumo, aproximando os atores envolvidos com o tema.
4 – Como a Embrapa pode contribuir para a expansão do uso adequado dos Remineralizadores de Solo e fortalecimento de uma agricultura mais sustentável, considerando a importância de se ampliar a pesquisa e inovação nesse tema?
Pillon – A Embrapa possui diversas ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação no tema em andamento. No entanto, é evidente que os REM, pela sua composição mais complexa e com uma reação no solo ainda não bem compreendida, precisam de muito mais estudos. O Brasil possui uma diversidade grande de rochas, clima, de tipos de solo e de sistemas de produção. A interação desses fatores é que definimos como os agroecossistemas e a resposta dos insumos agrícolas nessas realidades não é uniforme. Por isso, as equipes de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Embrapa e das demais instituições de pesquisa deverão se debruçar mais no tema nos próximos anos. Ao mesmo tempo, é primordial abordar a questão com cabeça aberta, visão ampla, abarcando todo tipo de conhecimento que o assunto exige, como, por exemplo, o apoio de mais áreas da ciência e de ferramentas específicas como mineralogia, microscopia, fisiologia, biologia/microbiologia do solo e nutrição de plantas.
5 – A transição para uma agricultura regenerativa e mais autônoma passa pela necessidade de ampliação do uso de fontes locais regionais, como os Remineralizadores de solo e bioinsumos? Quais seriam as ações mais emergenciais?
Pillon – Certamente. Não há dúvidas de que o futuro da agricultura será de base biológica, mas seguiremos também dependendo de insumos químicos. Os bioinsumos são hoje o melhor exemplo do que o País é capaz de fazer em termos de uma agricultura verde, mais limpa e menos dependente de importações de insumos. De forma análoga, é possível que os Remineralizadores possam traçar um caminho parecido. Como é difícil aumentar o raio econômico desse tipo de produto, as ações mais importantes no cenário atual são a ampliação do número de produtos registrados e o desenvolvimento de recomendações de uso (dose, forma e modo de aplicação) ajustadas à realidade regional. Especificamente no caso dos REM, é preciso continuar os trabalhos de prospecção de novas fontes, em todo o território nacional (o que vem sendo muito bem feito pelo Serviço Geológico Brasileiro-CPRM). Por exemplo, para aqueles REM com teores maiores de potássio, mas que não apresentam reatividade adequada há a necessidade de combinar um conjunto maior e mais avançado de estratégias que viabilizem o seu uso (por exemplo, separação e concentração dos minerais de interesse; moagem ultrafina, adição de microrganismos solubilizadores via processo de granulação inteligente, agregando outros aditivos de interesse, como “polímeros verdes”, ácidos orgânicos e outros microrganismos benéficos).
6 – A partir do estabelecimento do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) que inseriu a categoria de insumos nas “cadeias emergentes”, como o senhor avalia que a agricultura brasileira pode ser beneficiada, considerando que estes insumos também favorecem um perfil de agricultura sustentada nos princípios da agroecologia?
Pillon – O PNF é um dos esforços que o País vem fazendo para reduzir a dependência externa da agricultura brasileira. Um setor que responde por quase um terço do PIB brasileiro não pode ver sua dependência por insumos agrícolas crescer ano após ano, sob pena inclusive de perdermos nossa soberania alimentar e econômica. Precisamos estender os programas de estímulo ao uso de insumos regionais. A inclusão dos REM no PNF é uma política pública que pode beneficiar todos os envolvidos na atividade agrícola do País.
7 – Considerando que o uso de Remineralizadores de Solo tem sido fortalecido pela segurança jurídica, legal e cientifica, na sua opinião, existem aspectos que ainda precisam ser regulamentados ou mesmo adequados que poderiam favorecer a cadeia desse insumo? Quais seriam eles?
Pillon – O atendimento às normativas vigentes, o adequado registro de estabelecimento e de produto e a promoção de algum tipo de ganho técnico e econômico são os princípios básicos exigidos para qualquer insumo comercializado para uso na agricultura. Do ponto de vista científico, há a necessidade de aprimorar os protocolos de avaliação agronômica e avaliar experimentos de longa duração. Eu acredito que ainda existem lacunas importantes de conhecimento sobre os efeitos desses insumos na agricultura. Existem muitos relatos de produtores que observam ganhos de produção a um custo muito baixo, por outro lado, também sabemos de relatos nos quais a expectativa era maior do que o que se observou na prática. Se nos colocarmos no lugar do produtor rural, vemos que ele possui um conjunto muito grande de decisões diárias que comprometem a sustentabilidade da sua propriedade. Dessa forma, cabe aos fabricantes de REM investir mais em P&D, para desenvolver recomendações de uso mais ajustadas à realidade regional. Nesse aspecto, o conjunto de pesquisadores da Embrapa possui competências que poderão contribuir muito nesse processo.