Autores: Pablo Hardoim1, Eduardo de Souza Martins2
A agricultura brasileira é uma das mais pujantes no mundo. Atualmente, o Brasil está entre os 5 maiores produtores de alimentos e é o primeiro colocado na exportação de vários produtos agrícolas. É considerado o mais importante produtor de grãos nos trópicos. Estima-se que a produção agropecuária no Brasil já alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e que as projeções da OCDE-FAO indicam uma ampliação considerável da importância do Brasil no comércio agroalimentar global até 2032. Vários são os motivos que levam a essas importantes conquistas. Podemos citar a contribuição da agricultura industrial através da revolução verde, por exemplo. No entanto, muitas vezes as produções de alimentos vegetais e animais, fibras e energia também estão ancoradas em custos ocultos ao meio ambiente, a biodiversidade do sistema, a qualidade do solo agrícola, a saúde das pessoas nas cidades, a saúde dos consumidores finais, o bem-estar animal e bem-estar das pessoas que trabalham diretamente no campo. Além disso, é conhecido que este sistema de produção convencional necessita de condições ambientais estáveis para garantir boas produtividades. Ou seja, o sistema convencional é extremamente suscetível às adversidades climáticas, as quais estão se tornando cada vez mais frequentes em diferentes regiões do Brasil. As externalidades negativas do sistema convencional de produção, somadas às suas limitações adaptativas aos extremos climáticos requerem uma transição regenerativa e novos fundamentos de produção.
Dentro deste contexto de conscientização da sociedade por alimentos com ausência de resíduo químico e maior densidade nutricional, as necessidades de mitigar os efeitos de mudança climática, de garantir a manutenção dos recursos para as gerações futuras, de atender as demandas presentes e de preservar a biodiversidade do sistema produtivo, alguns produtores têm implementado práticas agrícolas conhecidas que reduzem significativamente a dependência de insumos importados e que também reduzem significativamente a poluição do ambiente. Essas práticas, descritas abaixo, são capazes de aumentar a eficiência e resiliência dos sistemas produtivos, permitindo a manutenção de boas produtividades mesmo em períodos prolongados (60 dias) de veranico. A evolução das práticas regenerativas permitem a melhoria no ambiente de produção com consequente progresso na qualidade do solo como principal capital do agricultor. Desse modo, agricultores, impactados pela mudança, também começam a prestar serviços ambientais para toda a sociedade, principalmente para as cidades, fornecendo água e alimento de qualidade, bem como mitigando os efeitos climáticos através do abatimento do carbono utilizando insumos de baixa emissão, com os manejos que privilegiam o aumento de carbono orgânico no solo, e ainda de forma permanente através do intemperismo acelerado de minerais silicáticos utilizados como condicionadores e fontes de nutrientes. Ao promover e valorizar a biodiversidade através da integração das áreas produtivas com as áreas naturais remanescentes, estes produtores garantem o refúgio de inimigos naturais das pragas e obtêm importantes serviços ecossistêmicos. Além de tudo, por utilizarem insumos e serviços dos seus contextos locais e regionais, compartilham a prosperidade com a sociedade, criando riqueza e oportunidades para a comunidade ao seu redor e atendendo assim aos requisitos ESG (sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa – Environmental, Social and Governance, em inglês) em plenitude.
Desta forma, entende-se como Agricultura Tropical Regenerativa (ATR) um conjunto de ações e boas práticas que atuam na recuperação do ecossistema produtivo de forma a deixar um saldo de impactos positivos nas características físicas e químicas do solo, na micro e macro-diversidade do solo, na resiliência da produção, na redução de resíduos nos produtos, no sequestro de carbono e na melhoria da sociedade local e regional. Estes produtores de alimentos, fibras e energia atuam conscientemente na adoção de práticas e manejos que visam promover positivamente o ambiente de produção utilizando recursos e tecnologias acessíveis de forma mais eficiente possível dentro de uma agricultura de processos, em que desafios bióticos e abióticos são equacionados através de manejos realizados em caráter preventivo. Por todas essas características, a ATR tem uma forte conexão com o consumidor final, o qual prioriza a regeneração e cura dos agroecossistemas, visando impactos positivos ao ambiente, à cadeia e à sociedade. Com essa missão, os produtores visam criar novas formas de relacionamento com as cadeias de fornecedores de insumos, serviços e equipamentos, bem como de fidelidade com as cadeias de valor e com os consumidores, diferenciando sua produção, seja pela forma de produzir, como pela qualidade intrínseca do produto final.
Entre as práticas utilizadas na ATR podemos destacar:
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Manejo integrado da fertilidade do solo através do uso de remineralizadores, fertilizantes minerais naturais, corretivos (Fig. 1) e circularidade da matéria orgânica com o processamento adequado para eliminação de patógenos e germinação de plantas daninhas;
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Rotação de culturas e plantio direto sobre a palha, mantendo sempre que possível o solo coberto;
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Uso de comunidades microbianas funcionais e de microrganismos específicos;
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Recuperação de pastagens de gradadas;
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Integração lavoura-pecuária-floresta;
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Gestão integrada da paisagem.
Atualmente os benefícios gerados com essas práticas são passíveis de serem monitorados e relatados através de protocolos que originam, por exemplo, o Selo do GAAS, o selo CAS+, certificado Regenagri, certificado da Agricultura Regenerativa da Ecocert, além de muitas outras que estão em fase de desenvolvimento dos protocolos. Estima-se que existam mais de 18 iniciativas voltadas ao monitoramento e relato dos benefícios da Agricultura Regenerativa. Denotando, a necessidade de convergência sobre o significado e operacionalização da nova forma de produção, adoção de práticas e manejos regenerativos, visando a sustentabilidade. Tamanha disparidade entre as iniciativas enfraquece a cadeia. O ideal seria a criação de uma plataforma que fosse capaz identificar os principais indicadores a serem monitorados e relatados, como se fosse um padrão mínimo necessário para ser considerado como ATR. Seria também importante que este protocolo padrão atendesse às particularidades da Agricultura Tropical, a qual diverge em diversos pontos da Agricultura Regenerativa praticada em climas temperados. Uma vez estabelecidos os principais indicadores da ATR, outros poderiam ser utilizados para atender demandas específicas do mercado consumidor.
A implementação destas práticas depende do agricultor sair da zona de conforto e experimentar novos processos visando a redução de custos com uso de soluções locais. Cabe ao agricultor, pecuarista, e/ou consultor identificar a lista de prioridades a serem equacionadas e determinar a melhor forma de atuar nos processos para implementar a transição. Por exemplo, muitas doenças e presença de pragas podem ser equacionadas com uma nutrição adequada e balanceada. Como não existe uma tabela de determinação do requerimento e balanço nutricional da cultura para cada tipo de solo, o mais adequado é construir a fertilidade do solo de forma estruturante e deixar que a planta determine qual nutriente está sendo necessário em determinada fase fisiológica. Essa fertilidade do solo pode ser construída ao longo dos anos com o manejo integrado da fertilidade do solo, o qual visa aumentar a eficiência do uso de fertilizantes solúveis através do uso de remineralizadores, fertilizantes minerais naturais e compostos orgânicos. No início da implementação deste manejo, correções pontuais através da adubação foliar podem ser necessárias ao longo do ciclo da cultura. O monitoramento semanal da lavoura se faz necessário para atender as demandas nutricionais e de correção para a supressão de pragas e doenças.
Outro ponto que ainda é um grande desafio na implementação da ATR é a capacitação de profissionais. Por muitos anos, e ainda hoje, os centros de formação de profissionais se baseiam na relação problema-insumo. A abordagem holística do sistema e adequações de soluções estruturais ainda estão ausentes na academia.
Com bom senso e políticas públicas, a adoção das práticas regenerativas devem continuar crescendo, rumo à sustentabilidade da nossa agricultura. Na perspectiva de país, a ampliação da regeneração agrícola tem muitas justificativas para se transformar numa iniciativa estratégica, implementada de forma permanente e legitimada na Política Nacional Agrícola. Pois, podemos reduzir de forma significativa nossa dependência internacional de insumos fundamentais; podemos aumentar a renda dos agricultores e ativamos as economias locais com a circulação de recursos da aquisição de insumos e serviços; podemos promover uma redução significativa nas contaminações e no oferecimento de produtos de melhor qualidade; podemos desempenhar uma agricultura de carbono negativo; e finalmente, atenderemos a demanda das cadeias de valor por produtos regenerativos.
1 Trópica serviços agropecuários, Belo Horizonte, MG, Brasil – E-mail: tropica.ag@gmail.com
2 Grupo Associado de Agricultura Sustentável – GAAS. E-mail: contato@gaasbrasil.com