Nota de Esclarecimento / Remineralizadores de Solo

Nota de Esclarecimento do CT-ABREFEN

Solubilidade e biointemperismo, sílica livre, alumínio e elementos traços, recomendação de uso

Frente às inúmeras dúvidas existentes, decorrentes do uso remineralizadores de solo (REM) e fertilizantes minerais simples de composição silicática (FSi) divulgadas e apresentadas em eventos, entrevistas e multicanais de mídias sociais, o Conselho Técnico da Associação Brasileira de Produtores de Remineralizadores e Fertilizantes Naturais (ABREFEN) cumpre a função de esclarecer, com base em evidências científicas, alguns aspectos relacionados aos REM.

A ABREFEN apoia e incentiva toda e qualquer forma de inclusão tecnológica e popularização da ciência pautada em uma comunicação humanizada, equilibrada, respeitosa, conectada às metas da Agenda 2030 e, acima de tudo, fundamentada no conhecimento científico para agricultura tropical. Acreditamos que todo diálogo é positivo, desde que, imparcial e sob a luz do pensamento e metodologia científica. Nesta Nota são apresentados, a toda comunidade brasileira, alguns conceitos fundamentais acerca do funcionamento dos REM.

A ABREFEN vem discutindo em profundidade com diversos segmentos das universidades, instituições de pesquisa, órgãos reguladores, governo em diferentes esferas, representantes de produtores rurais e empresários, todas as ações relacionadas à situação dos REM que vivenciamos local e globalmente. Nenhuma medida vem sendo tomada sem ouvir amplamente a comunidade, especialmente as evidências e resultados científicos obtidos em diferentes agroecossistemas brasileiros. Ainda que muito precise ser desenvolvido, devemos informar que há diversos grupos de trabalho atuando, com ampla participação da comunidade, contribuindo para mitigar os efeitos negativos da desinformação científica e tecnológica sobre os REM.

A ABREFEN junto aos Órgãos Colegiados já trabalha para implantar medidas contra ações que ferem a memória científica de instituições e programas de pós-graduação brasileiros que trabalham com REM. Atualmente, na Biblioteca Virtual da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação do Brasil que atua na expansão e consolidação dos Programas de Pós-graduação (PPG) stricto sensu em todos os estados brasileiros, existem mais de 50 universidades, com cerca de 60 PPG com conceito de excelência e mais de 300 pesquisadores trabalhando para desenvolver e certificar aspectos científicos, rotas tecnológicas e inovação no Brasil com o tema REM. Este processo já ocorre há mais de duas décadas.

Uma série de artigos de revisão apresentam as bases conceituais sobre os REM1. O Brasil é pioneiro no mundo em relação ao marco legal deste tipo de insumo2, definido na Lei 12.890/20133, devidamente regulamentada na Instrução Normativa 05/2016 pelo MAPA4.

Os REM e os FSi constituem uma das soluções regionais dentre as ferramentas possíveis no manejo da fertilidade do solo. Na maioria das situações reais, os REM são complementares à adubação tradicional apenas com fontes solúveis. Por outro lado, tem agricultores que substituem completamente a adubação com fontes solúveis por REM e diversos tipos de biofertilizantes. Neste sentido, este é um dos motivos para o crescimento dos sistemas orgânicos em todas escalas com o aumento da adoção dos REM. Ao mesmo tempo, diversos agricultores, cuja área atual cobre pelo menos 5 milhões de hectares, já adotam esta tecnologia, tendo já aplicado cerca de 7 milhões de toneladas de REM desde 20175, diminuindo a necessidade de fontes solúveis e os custos de produção.

Resta ainda destacar que na condição de fertilizantes complementares à adubação convencional ou de uso individual, essa possibilidade representa uma garantia para reduzir a condição de dependência do país em relação aos fertilizantes solúveis de base NPK. Este fato mostra as grandes oportunidades que se avizinham em um futuro onde as condições de oferta de fertilizantes podem se manter escassa ou restrita.

Solubilidade e Biointemperismo:

Ainda que em sua maioria os REM apresentem solubilidade muito restrita em água, eles possuem a capacidade de serem biodisponíveis. De modo geral, a dissolução dos minerais de base silicática, que compõem os REM, ocorre por processos biológicos, também designado de biointemperismo. Veja os artigos6 que demonstram o processo de intemperismo da mica biotita, segundo a escala de tempo agronômica e com a ação das raízes de milho, desde os primeiros 45 dias, formam minerais novos, gerando CTC e liberando nutrientes, os quais são acumulados no tecido vegetal. Outros trabalhos7 mostram que a alteração ocorre desde o primeiro ano, em experimentos que utilizam sistemas agroflorestais biodiversos. O trabalho8 mostra também que os REM aumentam a proporção de cargas elétricas permanentes em relação às variáveis, uma consequência da formação de novas fases com elevada CTC e densidade de cargas superficiais. Diante desses resultados, chegamos ao primeiro pressuposto para a eficiência dos REM: o processo biológico dos sistemas agrícolas precisa ser intensivo para que ocorra o processo de biointemperismo na escala de tempo agronômica. Como consequência, pesquisas desenvolvidas com REM em solos biologicamente pobres, compactados e sem cobertura de palha geralmente demorará um pouco mais para apresentar efeitos agronômicos significativos. Ou seja, o funcionamento biológico dos solos tratados com REM é uma variável dependente de sua eficiência. Desta forma, não faz sentido avaliar a solubilidade em água dos REM. Lembramos que o pH de abrasão é um mecanismo revelador do potencial de dissolução dos REM em água no curto prazo conforme descrito por Leonardos et al9. Por este motivo, a IN 05/2016 exige a garantia do valor do pH de abrasão dos REM10.

Por outro lado, os REM ricos em cálcio e/ou magnésio apresentam reatividade elevada em solos ácidos, e podem complementar ou substituir o manejo da calagem com o calcário agrícola. Por exemplo, REM derivados de basaltos alteram as características físico-químicas de solos ácidos apenas por incubação, sem a necessidade da ação de plantas ou outros processos biológicos diretos11. Mesmo não apresentando níveis de fósforo elevado, os REM aumentam a disponibilidade deste macronutriente essencial no solo12.

Durante o processo de formação de novas fases minerais pelo biointemperismo dos REM no solo ocorre simultaneamente a liberação de macro e micronutrientes. Alguns tipos de REM também são registrados na categoria de fertilizante mineral simples no MAPA, especialmente como fornecedor de potássio e fósforo. Por exemplo, os FSi potássicos apresentam eficiência agronômica comprovada em diversas publicações13.

Sílica livre:

Outro conceito que causa confusão é o de “sílica livre”, que é, na realidade, a proporção de quartzo presente nos REM. O quartzo é o mineral mais comum presente nos REM que é considerado inerte nos solos agrícolas. O teor total de SiO2 presente nos REM obtida pela análise geoquímica está relacionado a todos os minerais silicáticos presentes, principalmente associado às bases, cálcio, magnésio e potássio, que são reativos e podem ser biointemperizados na escala de tempo agronômica. Por este motivo, é fundamental, além da análise geoquímica total, a determinação mineralógica quantitativa para definir como os elementos químicos estão distribuídos nos minerais, de forma que se possa quantificar a proporção dos minerais no insumo e, em particular, o quartzo (“sílica livre”), que segundo a IN 5/2016 deve apresentar teores máximos de 25% na composição modal. Desta forma, não existe negligência do MAPA no processo de registro e fiscalização dos REM em relação às proporções de “sílica livre”. Todos os 53 produtos registrados atualmente seguem rigorosamente a Lei 12.890/2013 e a Instrução Normativa 05/2016.

Alumínio e Elementos Traços:

A grande maioria dos REM e FSi são formados por aluminossilicatos. O alumínio nestes insumos não são biodisponibilizados no processo de interação com o solo por causa do processo incongruente de intemperismo14. As bases são disponibilizadas mais rapidamente que os outros elementos, junto com parte do silício, sendo que o alumínio e o restante do silício formarão novas fases minerais cristalinas, como é o caso da transformação de biotita em vermiculita, ou de baixa cristalinidade, como é o caso da transformação de silicatos básicos. Ou seja, o alumínio integrará novas fases minerais com elevada superfície específica e carga superficial, promovendo benefícios para a melhoria de solos tropicais profundamente intemperizados.

Estes insumos são considerados fontes de micronutrientes para as plantas15. Os critérios para registro de REM e de fertilizantes apresentam limites máximos para a presença de elementos potencialmente tóxicos. Ao mesmo tempo, são relatadas na bibliografia o papel do silício para prevenir a contaminação de plantas cultivadas16.

Recomendação de Uso:

Ainda é necessário um grande esforço de pesquisa para desenvolver recomendações de uso de REM e de fertilizantes silicatados. No entanto, a pesquisa e a experiência agrícola demonstram que a eficiência destas fontes depende da intensidade biológica do sistema agrícola. A potência biológica é necessária para que ocorra a disponibilidade dos nutrientes na escala de tempo agronômica. Este processo pode ser obtido a partir de boas práticas na agricultura, associadas ao uso de plantas de cobertura, rotação de culturas e uso de bioinsumos.

O posicionamento das doses e integração destes insumos na estratégia de manejo da fertilidade deve sempre preconizar a eficiência técnica e econômica. As empresas sérias do setor já possuem profissionais qualificados com capacidade técnica de recomendação direcionada a cada caso, a depender das propriedades do produto, bem como das características do solo, tipo de cultura, histórico da área, atividade biológica, entre outros fatores. A reatividade dos produtos depende da composição química, mineralógica e granulométrica. Os efeitos ocorrem no curto, médio e longo prazos. Geralmente o manejo mais adequado não prescinde dos fertilizantes solúveis em água. Eventualmente pode ocorrer a substituição de fontes solúveis quando diversas práticas são realizadas em conjunto com outras fontes regionais, como a integração com biofertilizantes.

Conclusão:

Considerando tais informações, a ABREFEN, em acordo com seu Conselho Técnico, manifesta sua certeza, de que o futuro que se avizinha trará excelentes perspectivas e resultados para a agricultura tropical, uma vez que os REM poderão sustentar iniciativas produtivas empresariais ou familiares em todos os agroecossistemas brasileiros, garantindo a manutenção do protagonismo do Brasil na produção de alimentos.

NOTAS:

1 https://doi.org/10.1016/j.exis.2018.11.002; https://doi.org/10.1016/j.gsf.2021.101185

2 https://doi.org/10.1007/s11053-022-10107-x

3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12890.htm

4 http://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/fertilizantes/legislacao/in-5-de-10-3-16-remineralizadores-e-substratos-para-plantas.pdf

5 https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/publicacoes-1/anuario-estatistico-do-setor-metalurgico-e-do-setor-de-transformacao-de-nao-metalicos/anuario-estatitico-2021-setor-de-transformacao-de-nao-metalicos-ano-base-2020.pdf; https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/setor-de-transformacao-de-nao-metalicos

6 https://doi.org/10.1590/1983-40632022v5272376; https://doi.org/10.1590/s1678-3921.pab2022.v57.01467

7 https://doi.org/10.1016/j.jsames.2020.103014

8 https://doi.org/10.1590/1983-40632021v5166691

9 https://doi.org/10.1016/0009-2541(87)90143-4

10 http://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/fertilizantes/legislacao/in-5-de-10-3-16-remineralizadores-e-substratos-para-plantas.pdf

11 https://doi.org/10.1016/j.jafr.2022.100443; https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2023.e14050

12 https://doi.org/10.1080/09064710.2022.2078222

13 https://doi.org/10.1590/s1678-3921.pab2022.v57.02443;

https://doi.org/10.1590/s1678-3921.pab2021.v56.01411;

https://doi.org/10.1590/s1678-3921.pab2021.v56.02686

14 https://doi.org/10.1590/s1678-3921.pab2022.v57.01467

15 https://doi.org/10.1590/s1678-3921.pab2020.v55.00807

16 https://doi.org/10.3390%2Fplants8030071