Produção Brasileira de Remineralizadores e Fertilizantes Naturais: 2019 a 2022

Autores: Eder de Souza Martins1; Suzi Huff Theodoro2; Frederico Fernandes Gonçalves Bernardez3; Diego Silva Siqueira4; Aline Pimenta Caixeta5; Janete Chaves Dellabeta Curtis6; Augusto Vaghetti Luchese7.

Resumo

O setor agrícola busca soluções regionais para diminuir o impacto ambiental e desenvolver práticas que considerem os pressupostos da bioeconomia circular e, que além disso, atenda aos objetivos estabelecidos na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. Visando o alcance dessa dupla expectativa, o Brasil inovou e vem ocupando um papel de protagonismo no desenvolvimento da cadeia produtiva dos remineralizadores (REM) e dos fertilizantes minerais simples de composição silicática (FSi). Essa nova rota tecnológica constitui-se em uma das estratégias para alcançar novos patamares de sustentabilidade econômica, ambiental e social na produção agrícola. O uso dos REM foi regulamentado pela Lei 12.890/2013 e pela Instrução Normativa 05/2016 (MAPA). Este arcabouço legal e uma série de resultados obtidos em pesquisas desenvolvidas por várias instituições brasileiras, além da demanda do setoragrícola, que busca diminuir os custos e reduzir a dependência externa facilitou a rápida assimilação dos REM por agricultores de diversos perfis produtivos. Considerando essa realidade o presente artigo tem o objetivo de apontar o imenso potencial representado pelos REM e FSi para a agricultura brasileira. Elaborar um diagnóstico do setor é uma necessidade para planejar o futuro. Para tanto, foi realizada uma pesquisa em meio aos produtores desses insumos. Os resultados da pesquisa apontaram que até dezembro de 2022, cerca de 53 produtos já haviam sido registrados no MAPA, como REM e FSi, alcançando três milhões de toneladas somente nesse ano. Ao se considerar o período entre 2019 e 2022 averiguou-se que mais de sete milhões de toneladas foram comercializadas com Minas Gerais (43%); Goiás (24%); São Paulo (10%); Paraná (9%); Rio Grande do Sul (6%)como os principais produtores. O rápido crescimento da produção (cerca de 640 mil toneladas/ano) evidencia que a cadeia emergente dos REM e dos FSi apresenta elevado potencial para contribuir com a redução da dependência externa de fertilizantes. No entanto, para alcançar as 75 milhões de toneladas anuais, previsto no Plano Nacional de Fertilizantes (PNF-2050), será necessário que a produção de REM e FSi tenha um crescimento constante de cerca de 150% ao ano, o que é factível, uma vez que nos últimos 4 anos a produção tem alcançado um crescimento de 100% ao ano.

Palavras-chave: insumos regionais; sustentabilidade; segurança alimentar; indústria nacional

Introdução

A busca da sustentabilidade no processo de produção de alimentos exige um esforço para regionalizar as soluções, diminuir a emissão de gases de efeito estufa e a dependência de insumos produzidos em outros continentes, ao mesmo tempo que seja possível manter a produtividade, aumentar a qualidade da produção e a resiliência dos agroecossistemas (Afreen& Singh, 2020; Kinkini Hemachandra et al., 2021).

O Programa Nacional de Fertilizantes, instituído em março de 2022 (PNF-2050), considera, além das cadeias de NPK, as cadeias emergentes de produção de bioinsumos, nanotecnologia e remineralizadores de solos (Brasil, 2022b). O PNF-2050 tem como maiores objetivos a diminuição da dependência externa de fertilizantes e o aumento da eficiência do manejo da fertilidade do solo. Além de desenvolver estratégias para ampliar a eficiência do sistema produtivo e incrementar as cadeias NPK, consolidar soluções regionais, a partir do desenvolvimento das cadeias emergentes, é a proposta mais inovadora do PNF-2050.

A cadeia emergente dos remineralizadores de solos (REM) inclui também os fertilizantes minerais simples de composição silicática (FSi). A meta do PNF-2050 é alcançar uso pleno destes insumos e suprir todas as demandas para os solos agrícolas do País, previsto para 75 milhões de toneladas anuais(Brasil, 2022b). Para apoiar essa inciativa, desde 2021, o MME já havia iniciado o levantamento da produção destes insumos(Brasil, 2021, 2022a), que será apresentado em detalhe nesta publicação.

Os agrominerais silicáticos (ASi) constituem as matérias-primas para a produção de REM e de FSi. Após o beneficiamento e a transformação mineral, parte dos agrominerais silicáticos podem se converter em REM e FSi. Os REM foram definidos pela Lei 12.890, de 10 de dezembro de 2013 (Brasil, 2013b) como “material de origem mineral que tenha sofrido apenas redução e classificação de tamanho por processos mecânicos e que altere os índices de fertilidade do solo por meio da adição de macro e micronutrientes para as plantas, bem como promova a melhoria das propriedades físicas ou físico-químicas ou da atividade biológica do solo”. Os REM foram regulamentados pela Instrução Normativa 05, de 10 de março de 2016(Brasil, 2016), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que é o órgão responsável pela regulamentação e fiscalização de insumos agrícolas no País.

A IN 05/2016 define critérios para o registro dos REM a partir da caracterização química, física, físico-química e mineralógica, considerando as seguintes garantias mínimas: soma total de bases na forma de óxidos (CaO + MgO + K2O) no mínimo 9%; teor mínimo de K2O total de 1%; conteúdo máximo de sílica livre de 25% (na forma dequartzo); concentrações máximas de elementos potencialmente tóxicos totais (arsênio – As, <15 mg kg-1; cádmio – Cd, <10 mg kg-1; mercúrio – Hg, <0,1 mg kg-1; chumbo – Pb, <200 mg kg-1); testes agronômicos que demonstrem a eficiência da rocha em modificar as propriedades de fertilidade do solo e no desenvolvimento de plantas. Além desses critérios, a IN 5/2016 determina, também, a declaração do pH de abrasão dos REM, e que sua granulometria esteja definida entre as três possíveis classes: farelado, pó ou filler. Atualmente, segundo dados levantados junto às 51 empresas de mineração que já detêm o registro de REM no MAPA, a granulometria tem se concentrado nas classes pó ou filler.

Os FSi não apresentam regulamentação específica, mas, presentemente, é possível registrá-los no MAPA como Produto Novo (Brasil, 2018), uma vez que este tipo de insumo mineral não se enquadra em nenhuma categoria específica definida pela legislação. Nessas situações, os FSi são registrados e suas características são publicadas pelo MAPA para simplificar a obtenção de futuros registros para produtos similares (Brasil, 2018) e com eficácia agronômica similar.

Existe ainda a possibilidade da autorização de comercialização pelo MAPA de Material Secundário, formado por materiais livres de contaminação, derivados de outros processos de produção mineral e que não se enquadram na categoria de REM ou de Produto Novo (Brasil, 2013a).
Os ASi podem ser classificados em cinco classes de composição (entre parênteses a sigla e os principais tipos de rochas): magnesiano (ASiMg, dunitos, serpentinitos); cálcico (ASiCa, rochas calcissilicáticas, anortositos); potássico (ASiK, rochas alcalinas, rochas ricas em filossilicatos potássicos); cálcio-magnesiano (ASiCaMg, rochas básicas); cálcio-magnésio-potássico (ASiCaMgK, rochas ultramáficas alcalinas).

O objetivo deste artigo é apresentar o levantamento da produção dos remineralizadores e fertilizantes minerais simples de composição silicática no Brasil, no período entre 2019 e 2022.

Abordagem Metodológica

O referido levantamento foi desenvolvido por meio de uma parceria entre ABREFEN, Embrapa Cerrados e o Ministério de Minas e Energia. Após a revisão geral das empresas que apresentam registro no Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA) no Sipeagro1, iniciou-se o desenvolvimento de pesquisas direcionada as empresas de remineralizadores, a qual foi dividida em duas fases distintas.

A primeira fase da pesquisa foi direcionada para as empresas brasileiras de remineralizadores que apresentam registro no MAPA. Para assegurar dados mais concretos, nesta primeira fase foi feito um breve contato com as empresas por meio de telefonema, sugerindo que o empreendedor contribuísse para o desenvolvimento da pesquisa, respondendo prontamente o questionário, o que contribuiria efetivamente para um diagnóstico do mercado dos remineralizadores no Brasil.

As informações solicitadas para o empreendedor tiveram como objetivo o conhecimento da cadeia produtiva dos REM e o porte das demandas regionais, uma vez que esse mercado emergente vem se destacando, nos últimos anos, por garantir vários benefícios aos grandes, médios e pequenos produtores, implicando diretamente em um maior consumo e, consequentemente, em maior demanda desses produtos no mercado.

O primeiro questionário proposto às empresas que apresentam registro foi composto por 22 perguntas no total (questões de múltipla escolha e questões com respostas curtas) estando dividido em 6 seções distintas:

  1. Seção: Aceita participar da pesquisa
  2. Seção: Empresa
  3. Seção: Produção dos remineralizadores
  4. Seção: Tipo de rocha
  5. Seção: Processo de produção
  6. Seção: Clientes atendidos pela empresa.

A segunda fase da pesquisa consistiu da elaboração de um segundo questionário. Nessa fase, as perguntas elaboradas foram destinadas às empresas que ainda não possuem registro no MAPA, incluindo aquelas que estão em processo de obtenção do registro. Essa etapa teve como principal objetivo compreender as dificuldades que o empreendedor encontra no processo de obtençãodo registro do produto e/ou da empresa no MAPA. Concomitantemente, essa pesquisa facilitou o entendimento acerca das melhores práticas para facilitar a tramitação e atendimento das condicionantes solicitadas ao longodo processo de registro pelo MAPA, além de alavancar o mercado de remineralizadores no Brasil.

Este segundo formulário foi composto por 22 perguntas no total (questões de múltipla escolha e questões com respostas curtas), estando dividido em 6 seções distintas:

  1. Seção: Empresa
  2. Seção: Situação de Registro no MAPA
  3. Seção: Tipo de rocha
  4. Seção: Comercialização do produto
  5. Seção: Processo de produção
  6. Seção: Clientes atendidos pela empresa.

Os dados gerados a partir da pesquisa foram comparados e cruzados com o banco de dados do MAPA, onde, trimestralmente, é possível averiguar a evolução dos resultados estatísticos da produção e da venda dos insumos nos distintos estados brasileiros. Adicionalmente, uma conferência eventual dos dados levantados foi realizada com a conferência dos dados gerados a partir da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

Resultados

O levantamento e cruzamento dos dados permitiu a elaboração de um mapa (Figura 1) onde é possível verificar a ocorrência dos 54 REM registrados no MAPA, até maio de 2023 (Brasil, 2023).Dos 41 produtos registrados em setembro de 2022, foi possível obter os dados relativos a 34 produtos das empresas que responderam ao questionário desta pesquisa.

Figura 1:
Localização das empresas e produtos registrados como produtores de remineralizadores e fertilizantes minerais simples de composição silicática. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil, 2023). Elaborada pelos autores.

De forma a complementar esse panorama, foi elaborada uma tabela onde são apresentados os tipos de FSi registrados atualmente no MAPA (Tabela 1), atentando para as especificações estabelecidas na IN 38/2018 (Brasil, 2018).

Tabela 1: Especificações dos fertilizantes minerais simples de composição silicática (Brasil, 2018)

FertilizanteObtençãoClassificação
Composto natural de folhelho carbonoso com carbonato de cálcio e magnésioMoagem e tamisação do composto natural constituído das rochas folhelho carbonoso com carbonato de cálcio e magnésioProduto
DunitoMoagem e tamisação da rocha DunitoProduto
FonolitoMoagem e tamisação do mineral natural FonolitoProduto
Silicato de Cálcio1) a partir da moagem e tratamento térmico com monitoramento diário da temperatura (mínimo de 1000oC) do Silicato de CálcioSubproduto
2) a partir da moagem e tratamento térmico com monitoramento diário (mínimo de 1000ºC) de compostos silicatados com compostos calcíticos
Silicato de Cálcio e Magnésio1) a partir do tratamento térmico com monitoramento diário da temperatura (mínimo 1000ºC) de compostos silicatados com compostos dolomíticos;Subproduto
2) a partir do tratamento e moagem de escórias silicatadas (agregado siderúrgico) geradas no processo de produção de ferro e de aço (processo siderúrgico).
Silicato de MagnésioFusão do minério de níquel, seguido de resfriamento, secagem e moagem do silicato de magnésio gerado na produção de liga ferro-níquelSubproduto
Fonolito HidrotermalizadoMoagem e tamisação do mineral natural Fonolito Hidrotermalizado/ Rocha Potássica.Produto
Rocha Silicática KamafugitoMoagem e tamisação do mineral natural KamafugitoProduto
Siltito GlauconíticoMoagem e tamisação da rocha natural Siltito GlauconíticoProduto

Importante destacar que, muito provavelmente, os dados desse levantamento são subestimados, em função da não adesão à pesquisa por parte de todas as empresas. De forma a ampliar o entendimento acerca da realidade das empresas que já possuem produtos registrados, foram obtidos e incorporados dados de produção e comercialização de 26 empresas que possuem materiais em processo de registro.

O índice de comercialização de produtos registrados em relação aos não registrados foi de 68% em 2021 e de 73% em 2022. Este índice já foi de 40% entre 2019 e 2020. Dentre os materiais comercializados não registrados em 2022, 39% do total são derivados de basaltos. Esses dados indicam que está havendo uma redução da informalidade relacionada à comercialização, provavelmente favorecida pela demanda crescente pelos REM. Para garantir a eficácia de produtos utilizados com a finalidade de ampliar os níveis de fertilidade dos solos (e, portanto, sua remineralização), destaca-se que um dos focos fundamentais do MAPA deve ser a fiscalização dos produtos de forma que eles atendam as garantias mínimas e as condicionantes, estabelecidas na IN 05/2016. Nesse sentido, cabe alertar que o uso de produtos não registrados pode resultar em riscos produtivos e/ou ambientais, uma vez que tais materiais podem ser inertes, não promovendo benefícios relativos à fertilidade dos solos, ou, em casos específicos, apresentarem riscos em relação aos níveis de contaminantes.

Na Tabela 2 é apresentada a produção do conjunto dos insumos derivados de ASi. Os dados abrangem o período de 2019 até 2021. Os dados de 2022 ainda são parciais, uma vez que a totalização da produção ainda está em andamento.

A região Sudeste produz o equivalente a 60% do total de REM e FSi, seguido pelo Centro-Oeste, com 23% e Sul, com 15%. As regiões Norte e Nordeste respondem por apenas 1% da produção. A explicação para este fato pode estar relacionada com o desenvolvimento da mineração nas regiões com maiores demandas, especialmente aquelas de pequeno e médio portes, relacionadas com a produção de agregados da construção civil.

Tabela 2. Produçãoanual de remineralizadores e fertilizantes minerais simples de composição silicática1.

Produção Anual (toneladas)
Estado20192020202120221TOTAL
Bahia18.00034.0008.81217.03377.845
Goiás349.500516.500367.320537.2001.770.520
Maranhão2.0006.00015.00060.00083.000
Mato Grosso3.0003.0005.00010.00021.000
Mato Grosso do Sul15.00037.00033.58550.000135.585
Minas Gerais278.492427.116862.8411.570.0003.138.449
Paraná64.500132.500164.987267.200629.187
Rio Grande do Sul99.000151.00093.000129.000472.000
Santa Catarina4.0002.75214.50038.00059.252
São Paulo63.300181.000210.650279.000733.950
Tocantins33.00080.00018.00040.000171.000
TOTAL929.7921.570.8681.793.6962.997.4337.291.789

Fonte: Dados de 2019 e 2020 do Anuário Mineral Brasileiro de Não Metálicos (Brasil, 2021)ABREFEN, Embrapa Cerrados, MME – 1 Dados parciais

Considerando a produção referente ao ano de 2022 (Tabela 2), verifica-se, também, que os estados que se destacam com as maiores produções são Minas Gerais (52%), Goiás (18%), São Paulo (9%) e Paraná (9%), equivalendo a 88% do total. Apartir dos dados obtidos no levantamento, verificou-se que houve uma produção de quase três milhões de toneladas no último ano (ainda que os dados precisem ser consolidados). Esse total foi aplicado em cerca de 1,4 milhões de hectares somente no ano de 2022, o que equivale a uma dosagem de média de um pouco mais de duas toneladas por hectare. Tento em conta esses indicadores, pode-se admitir que no ano de 2022 cerca de 1,8% da área total de plantio do Brasil (cerca de 77 milhões de ha, segundo o IBGE) utilizou REM ou FSi. Porém, considerando dados obtidos na nossa pesquisa (não consolidados), a área sob manejo com REM e FSi está em torno de 10% do total da área agrícola do país. Esta diferença explica-se pela dosagem utilizada em distintos agroecossistemas que pode variar de duas a cinco toneladas por ha.

A produção acumulada entre 2019 e 2022 perfaz um total de aproximadamente 7,3 milhões de toneladas, sendo que a distribuição acompanha a mesma tendência de 2022. Entretanto, com menor proporção para Minas Gerais (43%) em relação a Goiás (24%), seguido de um comportamento similar para os outros Estados: São Paulo (10%), Paraná (9%), equivalendo a 86% do total consumido (Figura 2). Estas tendências mostram que o estado de Goiás possuía inicialmente um consumo maior que Minas Gerais, possivelmente devido ao desenvolvimento em PD&I ter sido mais intenso naquele Estado. Em tempos mais recentes, o crescimento de produção em Minas Gerais tem apresentado taxas exponenciais, duplicando a cada ano. É provável que este fato se deva ao grande potencial desse Estado, que abrange uma grande geodiversidade com rochas silicáticas ricas em bases e macronutrientes essenciais, como potássio e fósforo.

Figura 2: Produção (toneladas) e proporção da produção estadual de remineralizadores e fertilizantes silicatados entre os anos de 2019 e 2022 (ABREFEN, Embrapa Cerrados, MME). *Os dados de 2022 são parciais.

A distribuição dos tipos de agrominerais silicáticos utilizados para a produção de REM e de FSi é apresentada na Figura 3. As rochas básicas, especialmente os basaltos, são os REM mais consumidos, equivalendo a 29% no ano de 2021. Em segundo lugar, o siltito glauconítico, com 22%, seguido do mica-xisto (17%). É importante destacar que as rochas basálticas e mica-xistos são fontes abundantes e amplamente distribuídas em várias regiões do País. No que se refere ao siltito glauconítico, considerado uma fonte de potássio, pode-se supor que o aumento de sua demanda nos últimos anos está relacionado à crise de disponibilidade das fontes de potássio no mercado internacional (Manning, Theodoro, 2018), assim como outras fontes de ASiK, especialmente após o início da guerra na Ucrânia.

Figura 3: Produção de remineralizadores e fertilizantes minerais simples de composição silicática (toneladas) em relação aos tipos de rochas silicáticas para o ano de 2021.

Legenda: ASiCaMg (basaltos); ASiK (siltito glauconítico, mica xisto, ardósia, varvito, filito, rochas alcalinas); ASiCaMgK (kamafugito); ASiCa (calcixisto e marga); ASiMg (serpentinito e dunito).

Por outro lado, se considerar as classes de ASi, pode-se verificar que aqueles produtos que possuem teores mais expressivos de potássico são os mais consumidos, representando 58% do total (Figura 3), derivados principalmente de siltito glauconítico, mica-xisto, ardósia, varvito, filito e rochas alcalinas (Figura 4). A segunda classe, ASiCaMg, é representada pelas rochas básicas, com 29% do total.

Figura 4: Produção (toneladas) e proporção dos tipos de agrominerais utilizados para a produção de remineralizadores e fertilizantes silicatados para o ano de 2021.

Legenda: ASiCaMg (basaltos); ASiK (siltito glauconítico, mica xisto, ardósia, varvito, filito, rochas alcalinas); ASiCaMgK (kamafugito); ASiCa (calcixisto e marga); ASiMg (serpentinito e dunito).

Ainda que os dados consolidados sejam parciais e sub-representados, já que não se obteve 100% de adesão ao diagnóstico, eles mostram a potencialidade desses insumos para compor a oferta de fertilizantes no Brasil. No entanto, é necessário destacar que que para suprir um consumo de 75 milhões de toneladas anuais, conforme previsão do PNF-2050 (Brasil, 2022b) será necessário um esforço gigantesco por parte do setor público e privado, por meio de incentivos, capacitações, inovação tecnológica e políticas públicas.

Como um alerta do desafio que precisará ser vencido, fez-se um exercício, tendo por base os dados referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022. A Figura 5 mostra uma tendência de evoluçãoda produção no país. Quando se considera uma linha de tendência linear, pode-se vislumbrar que sem políticas públicas de incentivo ao uso desses insumos, o resultado previsto no PNF (considerando a taxa linear de incremento de 640 mil toneladas anuais)somente será alcançado no ano de 2132.

Figura 5: Equação de tendência linear de incremento de produção de remineralizadores (REM) e fertilizantes minerais simples de composição silicática (FSi) a partir dos dados entre 2019 e 2022. Percebe-se uma taxa de incremento anual de 642 mil toneladas.

Portanto, essa figura pode ser interpretada de duas formas. A primeira, refere-se ao desenvolvimento do setor, que teria dificuldades de avançar na oferta de produtos caso não ocorra o apoio por meio de políticas públicas e de pesquisa. A segunda, pode ser entendida como um desafio para que o Brasil se torne mais soberano no acesso aos insumos que fortaleceriam o setor agrícola.

No entanto, e tendo em conta os dados levantados (Tabela 2), cabe estimar que se a produção dos REM e FSi continuar dobrando a cada ano, a meta estipulada pelo PNF-2050 seria possível de ser alcançadanos próximos 10 anos. Ainda que seja difícil conceber que as empresas que já possuem registro tenham capacidade operacional de dobrar suas produções a cada ano, a entrada de novos produtos registrados no MAPA contribuiria de forma consistente com esse aumento. Outro ponto que facilitaria a obtenção dessa meta refere-se à incorporação de determinados tipos de sub-produtos e co-produtos, desde que cumpram as normas estabelecidas na legislação, derivados de centenas de micro, pequenas e médias minerações em operação no Brasil.

Considerações finais

Apesar dos dados evidenciarem uma ascensão e assimilação rápida do uso dos REM, cabe alertar que é fundamental que o Brasil estabeleça um conjunto de políticas públicas que incentivem a cadeia produtiva desses novos insumos, atraindo investimentos em PD&I e o registro de novos produtos, bem como o incentivo a sua adoção, em meio aos vários perfis de estabelecimentos agrícolas de todos os portes.

Mesmo considerando esses desafios, os dados deste diagnóstico mostram que os REM e FSi convertem-se em uma excelente ferramenta para diminuir a histórica dependência do país por insumos importados, ao mesmo tempo em que tem facilitado o manejo da fertilidade dos solos agrícolas no Brasil, em especial quando associados aos bioinsumos, garantido um futuro mais soberano no que se refere aos fertilizantes. Ao se presumir que as taxas de produção dos REM e FSi permaneçam dobrando a cada ano, considerando a entrada contínua de novos produtos registrados, a meta estipulada pelo PNF-2050 seria alcançada em um horizonte de menos de 10 anos.

Além da questão da segurança alimentar e economia circular relacionada ao tema remineralizadores, evidências científicas demonstram a relação da remineralização com o reequilíbrio das funções ecossistêmicas do solo, dentre elas a pegada de carbono, conforme discutido na primeira edição da revista Novo Solo da ABREFEN2. É importante destacar também a necessidade de uma comunicação científica das boas práticas em remineralização cada vez mais humanizada, promovendo o letramento científico e a inclusão tecnológica. Além de combater fake news, a comunicação científica humanizada ajuda na popularização de práticas baseadas em evidências científicas, como apresentado na Nota Técnica da ABREFEN3.

Ponderando esses aspectos, é importante atentar para o fato de que o País tem, em seu favor, três vantagens comparativas: (i) uma imensa geodiversidade que amplia as possibilidades da adoção de diferentes fontes de REM e de FSi; (ii) agricultores com um perfil de forte adesão às inovações, distribuídos em todas as regiões; e (iii) parque científico desenvolvido e consolidado em ciência do solo, permitindo a identificação e mapeamento de áreas com diferentes potenciais de resposta com base em métodos mais adequados para agricultura tropical.

Apesar desse futuro promissor, cabe destacar que uma série de barreiras precisaram ser vencidas, entre as quais o estabelecimento de incentivos (científicos, operacionais e financeiros) para este segmento minero-agrícola, historicamente importante para o País. Até novembro de 2022 existiam cerca de 126 projetos com o tema remineralizadores cadastrados no Banco de Dissertações e Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) integrando uma rede de pesquisa com aproximadamente 300 pesquisadores. Segundo portal do acervo científico da CAPES são cerca de 60 programas de pós-graduação nucleados em mais de 50 universidades trabalhando no tema remineralizadores. Os indicadores socioambientais e econômicos gerados até o momento foram produzidos por esses recursos humanos, em uma área carente de formação de quadros. Em se tratando de uma área estratégica e interdisciplinar, que impacta diretamente em temas globais das metas da Agenda 2030, especialmente na ODS2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável), ODS11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), ODS12 (Consumo e Produção Responsável) e ODS13 (Ação Contra Mudança Global e Clima), é importante o diálogo e ações conjuntas dos diferentes gestores científicos, públicos e empresárias.

Essa demanda e desenvolvimento do tema no País considera que os insumos solúveis têm ficado cada vez mais caros e escassos, em função da oferta e dos conflitos nos países produtores. Portanto, trata-se de uma questão de segurança e de soberanianacional a partir de soluções regionais baseadas na natureza e na bioeconomia.

REFERÊNCIAS

1 https://indicadores.agricultura.gov.br/fertilizantes/index.htm

2 https://abrefen.org.br/download/1616/

3 https://abrefen.org.br/revista-novo-solo/

AUTORES

1 Pesquisador da Embrapa Cerrados, Presidente do Conselho Técnico da ABREFEN, e-mail: eder.martins@embrapa.br

2 Professora da Universidade de Brasília, Vice-Presidente do Conselho Técnico da ABREFEN, e-mail: suzitheodoro@unb.br

3 Diretor-Presidente da ABREFEN, e-mail: frederico.bernardez@abrefen.org.br

4 CEO da Quanticum, Conselheiro Técnico da ABREFEN, e-mail: diego.siqueira@quanticum.com.br

5 Assistente do Departamento de Gestão de Políticas de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME, e-mail: aline.caixeta@mme.gov.br

6 Diretora da ABREFEN, e-mail: janete.curtis@abrefen.org.br

7 Professor da UFPR, Setor Palotina, Conselheiro Técnico da ABREFEN, e-mail: aluchese@ufpr.br

REFERÊNCIAS CITADAS

Afreen, T., & Singh, A. K. (2020). Conservation of Tropical Agriculture in the Era of Changing Climate. In New Frontiers in Stress Management for Durable Agriculture (pp. 185–195). Springer Singapore. https://doi.org/10.1007/978-981-15-1322-0_11

Brasil. (2013a). Instrução Normativa No 53, de 24 de outubro de 2013. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Gabinete da Ministra. https://sistemasweb.agricultura.gov.br/sislegis/action/detalhaAto.do?method=visualizarAtoPortalMapa&chave=1684581244

Brasil. (2013b). Lei No 12.890, de 10 de dezembro de 2013, que altera a Lei No 6.894 de 16 de dezembro de 1980, para incluir os remineralizadores como uma categoria de insumo destinado à agricultura. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12890.htm

Brasil. (2016). Instrução Normativa No 5, de 10 de março de 2016. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Gabinete da Ministra. http://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/fertilizantes/legislacao/in-5-de-10-3-16-remineralizadores-e-substratos-para-plantas.pdf

Brasil. (2018). Instrução Normativa No 38, de 1o de outubro de 2018. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Gabinete do Ministro. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43461167/do1-2018-10-02-instrucao-normativa-n-38-de-1-de-outubro-de-2018-43461024

Brasil. (2021). Anuário Estatístico 2021, Setor de Transformação de Não-Metálicos (1st ed.). Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/publicacoes-1/anuario-estatistico-do-setor-metalurgico-e-do-setor-de-transformacao-de-nao-metalicos/anuario-estatitico-2021-setor-de-transformacao-de-nao-metalicos-ano-base-2020.pdf

Brasil. (2022a). Anuário Estatístico 2022, Setor de Transformação de Não-Metálicos. https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/setor-de-transformacao-de-nao-metalicos

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