Entrevista / Eduardo Martins

Presidente do GAAS Grupo Associado de Agricultura Sustentável

Eduardo Martins é biólogo com mestrado em Ecologia pela Universidade Federal de Brasília, agricultor e empresário. Nesta entrevista ele fala sobre a importância do uso dos Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais para o fortalecimento da agricultura brasileira e quais são os desafios para a adoção de práticas agrícolas sustentáveis pelos agricultores.

1 – Na visão do GAAS, qual a importância dos Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais para o Brasil considerando aspectos agronômicos, econômicos, sociais e ambientais?

Os Remineralizadores de Solo (REM) e os Fertilizantes Naturais (FN) deveriam ser tratados pela agricultura brasileira como uma dádiva. Isso porque, nossos solos são altamente intemperizados, com baixa capacidade de retenção de nutrientes, condição acidificada e baixa qualidade de superfície ativa para fins agrícolas.
Imagine que dispomos de ocorrências minerais em todas as regiões agrícolas que preservaram rochas pouco alteradas, que são as fontes para a produção de REM e FN. Em nosso contexto tropical, solos ácidos são muito responsivos, aumentando o intemperismo das rochas utilizadas. O processo envolve a ativação biológica das comunidades de microrganismos, o que amplia o intemperismo, devolvendo diversas funcionalidades para o solo. Mundialmente, não iremos encontrar uma agricultura com as dimensões da nossa e que ofereça essas condições.

Do ponto de vista socioeconômico, a dependência de importação de fertilizantes é uma fraqueza importante da nossa agricultura. Ter os agrominerais disponíveis significa que temos a possibilidade de construir e alcançar um nível mais seguro e adequado de independência.

A nossa experiência no GAAS mostra que, para o agricultor, a disponibilidade desses recursos significa importante redução de custo no manejo e a melhoria do sistema de produção. O uso dos REM e FN podem inclusive aumentar a eficiência dos fertilizantes químicos na forma de sais.

2 – O clima tropical associado ao uso de insumos biológicos, Remineralizadores de Solos e plantas de cobertura pode ser considerado um diferencial competitivo a nível global para a agricultura brasileira? Sob quais aspectos?

Nesse contexto, é importante pensarmos sobre o que significa ser competitivo hoje na agricultura. A começar pelos custos de produção. Se esses custos estão baseados em variáveis que o país não controla a competitividade baixa muito. Outro elemento que devemos considerar na competitividade é a resiliência. Isso porque, com as variações climáticas, o agricultor precisa ter sistemas adaptados às oscilações e com os estresses hídricos resultantes, para não perder o seu investimento.

A agricultura sustentável, através dos seus três pilares (agrominerais, plantas de cobertura e o manejo biológico) estabelece esses dois principais elementos para o aumento da competitividade: a redução dos custos estruturais de produção somada ao aumento da resiliência às oscilações climáticas.

3 – Diante de tantos benefícios, o que precisa ser feito para que a adoção pelos agricultores seja ainda mais rápida e eficiente?

O maior desafio para escalar a agricultura sustentável é a consciência da sociedade e dos diversos agentes públicos a respeito da relevância da adoção das práticas regenerativas.
O agricultor, por sua vez, precisa estar aberto à realização de testes para comprovar se realmente vale a pena trocar o convencional pelo sustentável, lembrando que todo esse processo pode ser feito de forma muito segura, pois o agricultor não precisa abandonar por completo as práticas que ele já adota. Para isso acontecer, é preciso estruturar o “ecossistema da agricultura sustentável”, que depende de assistência técnica para orientar os agricultores em seus testes e nos processos de transição.

Quando houver, na região do agricultor, a disponibilidade, ainda que mínima, de serviços de consultoria e assistência técnica, aliados a disponibilidade de insumos sustentáveis, com certeza essa adoção será ainda mais rápida, eficiente e vantajosa para todos.

4 – Como a agricultura sustentável e a utilização de insumos estratégicos podem atuar no desenvolvimento regional?

Quando falamos da agricultura brasileira, é sempre importante termos uma compreensão de como esse dinheiro circula, sendo relevantes questionamentos como: “Quanto é, com o que é e para quem vão os ganhos?”

Não temos ainda uma análise econométrica adequada para compararmos os efeitos socioeconômicos dos gastos do convencional em relação à agricultura sustentável. No entanto, podemos fazer uma analogia simples: quando compramos um insumo convencional, temos um gasto embutido com propaganda e comissão de venda que reflete de vinte a trinta por cento do custo final do produto. Somado a isso, também há um pagamento pelo conhecimento, na forma de royalty.

Claro que todo conhecimento tem que ser reconhecido e remunerado, o problema é que esse conhecimento fica condicionado a uma lógica de produção que amarra desde a semente, passando pelos insumos e concentrando o faturamento em poucas empresas. Ou seja, o próprio pacote tecnológico obriga o produtor a usar um insumo que depende de outro, sendo que esse último quando usado gera um efeito que obriga a usar outro. Por exemplo: quando o agricultor faz uma aplicação de fungicida em soja, as chances são altas de haver um ataque de percevejo, obrigando o uso de um produto específico para esse caso. Perceba que essa lógica não é libertadora para o agricultor.

Em oposição, a agricultura sustentável opera sob uma lógica diferente. Os insumos comprados e o dinheiro gasto com consultoria, por exemplo, circulam na região. O que também vale para a produção de bioinsumos, que tendem a se articular local e regionalmente. A partir do momento em que tanto a semente de cobertura, quanto às culturas comerciais estiverem organizadas nesses termos, o faturamento também irá circular na região.

Perceba que o efeito econômico é muito maior do ponto de vista quantitativo, do volume de recursos financeiros que circulam nos contextos locais e regionais.

5 – Como o Estado brasileiro será beneficiado com a adoção destas novas práticas agrícolas?

Vamos ter uma produção diferenciada no âmbito de qualidade porque a utilização desses minerais implica menos contaminantes e maior densidade nutricional, atributos desejados pelo mercado.

Outro importante ganho decorrente dessa agricultura é a redução das emissões de carbono. Com avaliações feitas com soja, milho e batata, seria possível sair do conceito de baixo carbono para carbono negativo. Esses avanços têm o potencial de trazer para o Brasil a consolidação do papel de país supridor da necessidade mundial de produtos agrícolas, com base sustentável. Nosso desempenho pode ser imbatível comparado a qualquer outra nação do hemisfério norte ou sul.

Na perspectiva de longo prazo, o Brasil ganha enormemente ao criar um sistema de produção autêntico, com o conhecimento que dispomos e que estamos construindo com os nossos recursos, isso significa, sobretudo, maior independência.

6 – Na visão do GAAS, quais as principais Políticas Públicas que devem ser criadas para fomentar a transição para uma agricultura mais sustentável?

O primeiro passo é organizar as bases para termos regulamentação que dê segurança para essa agricultura. No caso dos REM e FN isso está bem consolidado, mas nós temos ainda um desafio significativo para os bioinsumos e para o tema das sementes.

Também é fundamental fazer uma adequação dos créditos disponíveis para a agricultura e a sustentabilidade. Essa abordagem deveria ser feita com critérios bem construídos nacionalmente, abarcando os diferentes tamanhos de agricultura, porém com uma flexibilidade que permita o ajuste e a melhoria contínua do sistema de produção.

Por exemplo, nós defendemos que a transição do convencional para o sustentável seja paga por meio de serviços ambientais gerados pelos agricultores com base nas suas práticas regenerativas, incluindo o carbono, a proteção da água e da biodiversidade. Afinal, o esforço dedicado pelo Agro na implementação do Código Florestal Brasileiro deve ser reconhecido com benefícios para o agricultor, nada mais justo que os serviços ambientais prestados possam pagar os investimentos da transição regenerativa.

Outra atitude importante se relaciona à produção de conhecimento voltada para essa agricultura, na qual todas as agências do Estado têm participação importante, em especial, a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Essa base deve ser construída em conjunto com o agricultor, identificando as suas necessidades, com foco em processos e não em produtos.

Devemos dar nova orientação às perguntas que norteiam as pesquisas: diante de um problema, antes de tentar desenvolver um produto para a solução, a busca deve ser sobre quais processos causam o problema, que tipos de manejos podem lidar com as causas e os insumos que podem fazer sentido considerando a perspectiva do agricultor. Em geral, a “produtização” da pesquisa agrícola brasileira não ajuda a sustentabilidade, tampouco o agricultor.

Por fim, é necessária uma adequação do currículo nos inúmeros cursos de Agronomia que temos hoje no país com vistas à agricultura sustentável. Precisamos fazer com que o ensino formal considere uma agricultura focada na base biológica, onde o processo é mais importante que o produto e que seja aberto a todos os tipos de agricultura que hoje são praticados, dando ao agricultor a possibilidade de fazer escolhas alinhadas à sua realidade.