ESG, reconectandoelos entre Agriculturae Mineração

Remineralizando conceitos, revalorizando cadeias produtivas, descarbonizando e investindo na segurança alimentar.

Eduardo Athayde
Diretor do WWI no Brasil
Email: eduathayde@gmail.com

Colaboraram com informações, Raul Jungmann (Presidente do IBRAM), Eder Martins (PhD, Embrapa), Neri Marcante (PhD, Mineragro), Reinaldo Sampaio (Vice-Presidente da Abirochas)

Em meados do Século IX, o químico e médico alemão, Julius Hensel (1844-1903), autor do livro Pão das Pedras (Bread of Stones), explicou como a rocha triturada pode melhorar a fertilidade do solo, inventando o estrume de “farinha de pedra”, afirmando que poderia criar pão a partir das pedras e desbloquear “forças nutritivas inesgotáveis armazenadas nas rochas, no ar e na água”.

Sua causa foi assumida e ampliada cerca de nove décadas depois por John Hamaker, engenheiro e agrônomo americano que publicou trabalhos sobre regeneração do solo, varredura de rochas e ciclos minerais, juntamente com Don Weaver, quando afirmaram, no livro Survival of Civilization, a importância da remineralização do solo em grande escala para fornecer um sumidouro de dióxido de carbono vegetativo.

A desmineralização ocorre rapidamente em solos intensamente cultivados e tropicais. O pó da rocha pode reverter esse processo, segundo a Embrapa, restaurando vida ao solo ao adicionar minerais para alimentar os microorganismos, ajudando a reconstruir a camada superficial do solo rapidamente. Cerca de dois milhões de hectares já estão plantados no Brasil com os agrominerais.

Operando em rede e inovando de forma sustentável, com interatividade entre setores, dentro das plataformas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e da ESG, a potencialidade da geodiversidade do país é destravada, exibindo-o como produtor de bens minerais essenciais para agropecuária nacional, mostrando os potenciais comparativos e competitivos que contribuem com a Segurança Alimentar global, a mais importante e cuidada Agenda internacional.

Inspirados na Governança Socioeconômica e Ambiental (ESG) – enfatizamos a socioeconômica como fidúcia para a sustentabilidade – a cooperação multisetorial e interinstitucional, envolvendo instituições públicas e privadas, de modo a dar robustez à projetos portadores de tecnologias inovadoras, se faz necessária.

A eco-nomia dos insumos minerais

Os remineralizadores de solo foram definidos pela Lei nº 12.890/2013 e, posteriormente, regulamentada pelo Decreto nº 8.384/2014 e pelas Instruções Normativas (IN) 5 e 6 de 2016, publicadas pelo Ministério da Agricultura, definindo critérios para registro, comercialização e fiscalização.

A guerra entre duas potências agrícolas, Rússia e Ucrânia, gerou consequências no conjunto dos mercados globalizados, já combalidos pela pandemia, nunca antes experimentados no contexto da segurança alimentar global, emperrando a cadeia de suprimentos, desarranjando negócios de produtos agrícolas finais e seus insumos.

As dificuldades da guerra aparecem em uma fase de aumento do consumo brasileiro e mundial de fertilizantes. Em 2020, o Brasil consumiu 12% mais desses insumos do que em 2019. Entre 2020 e dezembro de 2021, o crescimento foi de 14%. O Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de fertilizantes de janeiro a dezembro de 2021.

No “Brazilian Mining Day” – organizado pela Agência para o Desenvolvimento e Inovação do Setor Mineiro Brasileiro (ADIMB), durante o Prospectors & Developers Association of Canada (PDAC), principal voz da comunidade internacional da mineração, realizado em Toronto, em junho 2022 – o Brasil foi destacado pela modernização do marco legal para exploração mineral, enfatizando sua megageodiversidade e megabiodiversidade, que oferecem matérias-primas abundantes para o desenvolvimento conjunto das cadeias mineral e agrícola. Uma nova visão eco-nômica circular, mais lucrativa, alinhada com os ODS/ESG.

Enquanto o Plano Nacional de Fertilizantes 2050 apresenta estratégias para o desenvolvimento destas cadeias regionais, a Política Nacional de Resíduos Sólidos também prevê a destinação adequada de resíduos que devem ser considerados matérias-primas para outras cadeias produtivas. Neste novo cenário do mercado internacional da eco-nomia dos insumos minerais, startups e centros de pesquisa entram no radar modelando negócios inovadores.

O Brasil é hoje o quarto consumidor global de fertilizantes e o maior importador mundial de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio). Em 2015, 70% dos insumos consumidos no país vieram do exterior. Em 2020, 83%. Em 2021, 85%, e, no caso dos insumos potássicos, 98% do que é utilizado no Brasil é importado. A Rússia é o principal fornecedor global de fertilizantes e responsável por 20% da produção mundial e origem de 28% das importações brasileiras. Quanto ao nitrato de amônia – um dos fertilizantes mais usados por disponibilizar o nitrogênio para os vegetais – a Rússia é o único fornecedor do Brasil.

A mineração é um rico setor que promove a dinamização das economias locais e regionais, incentivando e abastecendo toda uma cadeia produtiva de suprimentos e insumos. Sendo o Brasil um dos maiores consumidores de fertilizantes do mundo, a Expo & Congresso Brasileiro de Mineração (EXPOSIBRAM) 2022, um dos maiores eventos de mineração da América Latina, realizado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), inovou, incluindo no debate o potencial dos rejeitos minerais para a agricultura.

Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) apontam para 3,4 bilhões de m3 de rejeitos armazenados no Brasil, com 700 barragens de rejeitos cadastradas. “A Agenda ESG reúne compromissos setoriais para tornar a mineração ainda mais sustentável, segura e responsável, estabelecendo princípios, valores e ações em prol das boas práticas”, conclui Raul Jungmann, presidente do IBRAM.

Definindo metas de inovação e sustentabilidade e critérios que elevem os atuais padrões da agropecuária no Brasil, o Ministério da Agricultura, alinhado com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicou, em 01 de fevereiro de 2021, a Portaria nº 26, dando prazo de 60 dias para elaboração de agenda para a agricultura sustentável. Tais objetivos são convergentes com o Ministério de Minas e Energia, também alinhado com a OCDE, que visa o aproveitamento racional dos recursos minerais, incentivando o desenvolvimento sustentável das regiões mineiras.

Um dos objetivos do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF – Decreto 10.991/2022) é reduzir a dependência brasileira do mercado externo para 50% até 2050. Soja, milho e cana-de-açúcar respondem por mais de 73% do consumo de fertilizantes no Brasil, que importa cerca de 85% desses produtos, representando 8% do consumo global, atrás apenas da China, Índia e dos EUA. A principal estratégia do PNF é fomentar o desenvolvimento de cadeias regionais produtoras de fertilizantes e afins, incentivando novas tecnologias para atender à demanda da produção de alimentos.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei 12.305 / Decreto 7.404/10), por sua vez, estabelece a destinação adequada dos resíduos da mineração, devendo ser considerados como matérias-primas para cadeias produtivas de insumos agrícolas da área de fertilizantes, prevendo, como no Art. 9º, que “na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada aos rejeitos”.

“Não podemos perder a oportunidade de unirmos forças no sentido de criarmos uma agenda estruturante para o setor e assim reduzirmos a dependência do Brasil dos produtos importados”, afirmou Bruno Lucchi, diretor-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), durante o evento e-Mineração do Brasil 2022, promovido pelo IBRAM. Numa lavoura de soja e milho o fertilizante representa cerca de 20 a 40% dos custos de produção.

ESG na mineração, pessoas e municípios e a “Licença Social”

As conversas do PDAC 2022 de Toronto, sobre como a ESG precisa estar em todos os níveis da organização e em todas as etapas da cadeia de valor, revelam impactos, positivos e negativos, nas localidades. Os investidores, atentos à nova governança, estão cuidadosamente olhando para as pessoas e os municípios, onde a mineração de fato acontece, e entendendo que, qualquer ação para ser global, precisa antes ser local.

Acompanhando conversas, as principais agências de risco do mundo, Standard & Poors, Moody`s e Fitch, seguidas das maiores empresas de auditoria e governança global, conhecidas como ´big four´- PwC, Delloite, Ernst Young e KPMG – observam empresas nas bolsas de valores que, por sua vez, exigem relatórios ESG para avaliarem a performance das mineradoras nos municípios, auditando compliances e atribuindo notas. Nessa era metaversa da eco-nomia digital, os algoritmos da inteligência artificial analisam até imagens de drones, pilotados via satélite, em cavas, minas e biotas municipais.

Atento ao movimento global, Mark Cutifani, CEO global da Anglo American, uma das maiores empresas mineradoras do mundo, acrescenta: “Nosso papel, como membro do setor privado, é apoiar nossos governos anfitriões no cumprimento dos ODS. Isso significa não deixar ninguém para trás”. O CEO da Anglo American no Brasil, Wilfred Bruijn, preside o Conselho do IBRAM.

“O setor mineral está focado no ESG e seguem os ODS como plataforma de ação”, afirmou Raul Jungmann durante o “II Fórum de Inovação e Sustentabilidade na Mineração”, realizado pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), em parceria com a Federação das Indústrias da Bahia (FIEB) e o WWI. Neste atual cenário, a ´Licença Social´, fática, ágrafa e metaversa, com validade local e global, funciona como uma espécie de “due diligence” online e virtual, operado pelas comunidades (stakeholders), que certificam condutas éticas e reputacionais no relacionamento entre trabalhadores, empresas e ambientes locais. Talvez a ´Licença Social´ seja hoje a mais importante entre todas as licenças e certidões exigidas.

Econometrizando a gestão da sustentabilidade

As exportações do agro brasileiro aumentaram de 20,6 bilhões de dólares para 96,9 bilhões de dólares, entre 2000 e 2019, segundo o estudo da Embrapa “Geopolítica de Alimentos – O Brasil como fonte estratégica de alimentos para a Humanidade”, destacando soja, carnes, milho, algodão e produtos florestais.

A geodiversidade e a disponibilidade de grandes quantidades de materiais minerais abrem infinitas possibilidades de exploração desses recursos não só no setor da mineração, mas também na metalurgia, indústria, construção civil e agricultura. O grande desafio atual é dar uso econômico sustentável para os rejeitos desses ativos – antes vistos como passivos ambientais – reintroduzindo-os no ciclo produtivo da natureza como insumos agrícolas e fontes de nutrientes – remineralizadores – corretivos de acidez e/ou condicionador de solo, reduzindo a dependência externa por nutrientes.

Enquanto a indústria da mineração organiza-se rapidamente para ajudar a fertilizar os campos, a indústria de papel e celulose, estimulada pelos PNF e PNRS, focada nos ODS/ESG, já inovou e está produzindo sulfato de potássio, um dos principais ingredientes na formulação de fertilizantes, a partir do tratamento das cinzas geradas na caldeira de recuperação da Klabin, passando a ser a primeira indústria do setor no mundo a produzir o insumo. O potássio é o principal nutriente utilizado pelos produtores nacionais (38%).

No plano energético, uma das maiores despesas das mineradoras, representando aproximadamente 30% do total dos custos operacionais, as empresas podem reduzir seu consumo em até 50% com gerenciamentos inovadores, usando energias renováveis e reduzindo custos, descarbonizando, melhorando a segurança, confiabilidade, sustentabilidade, mitigando riscos e obtendo vantagens competitivas, afirma a Deloitte.

Por outro lado, as cadeias globais de fornecimento de minerais para baterias precisam expandir dez vezes para atender às necessidades projetadas até 2030, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), quando a demanda por baterias de veículos elétricos aumentará dos atuais 340 GWh para mais de 3500 GWh.

Reorganizando a governança para as novas entregas

Usando os ODS como plataforma de planejamento e a visão inovadora da gestão ESG, investimos no incremento da produtividade na segurança alimentar, “remineralizando” conceitos, revalorizando e descarbonizando cadeias produtivas, servindo mais e melhor as pessoas, as empresas e as comunidades.

Inspirados em Einstein, quando ensina que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”, e com o incentivo do WWI, está sendo conceituado um Startup Hub Agromineral Metaverso. Sediado na virtualidade, unirá inteligências humana e artificial, realidade aumentada, internet das coisas (IoT) e blockchain, dentro do princípio de parcerias dos ODS 17 – articulando redes sobre redes – nacionais e internacionais, para potencializar as “forças nutritivas inesgotáveis armazenadas nas rochas, no ar e na água”, destravadas por Julius Hensel no Século IXX.

Estrategicamente articulado com o PDAC (pdac.ca), a OCDE (oecd.org), os Principles for Responsable Investments (unpri.org), a Embrapa e a Universidade Corporativa (UNIBRAM); o Hub vai ajudar a gerar e a transferir conhecimentos e rendas novas para o desenvolvimento socioeconômico sustentável local, municipal, reconectando elos perdidos entre a sociedade, a agricultura e a mineração.