Artigo – Sequestro de carbono no solo

Carlos Eduardo P. Cerri
Departamento de Ciência do Solo, ESALQ/USP.

Tem sido crescente a preocupação mundial em relação às mudanças do clima no planeta, decorrentes, principalmente, das emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa (GEE), tais como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).

O efeito estufa natural ocorre devido às concentrações de GEE na atmosfera antes do aparecimento do homem. A energia solar de comprimento de onda muito curto ultrapassa a atmosfera terrestre sem interação com os GEE presentes nesta camada. Ao atingir a superfície terrestre a energia é refletida e volta para a atmosfera com um comprimento de onda mais longo (radiação infravermelha) que interage parcialmente com os GEE presentes nesta camada. Parte dessa irradiação é absorvida na atmosfera e consequentemente aumenta a temperatura média do ar. Essa interação permite que a temperatura média da atmosfera terrestre seja de 15º C promovendo o chamado “efeito estufa natural”, essencial para a existência da vida no planeta. Caso não houvesse esses gases na atmosfera, a temperatura média da Terra seria 33º C menor, ou seja -18ºC, o que inviabilizaria a vida atualmente existente.

Nas últimas décadas, as atividades antrópicas têm provocado uma série de alterações na paisagem terrestre e, mais recentemente, na atmosfera. A participação dos sistemas agrícolas, especialmente do manejo do solo, no aquecimento terrestre é uma realidade que vem sendo amplamente avaliada pela comunidade científica. Sabe-se que alguns sistemas agrícolas ou condições de manejos adotados podem potencializar o aquecimento do planeta.

Esta situação tem se agravado, despertando a busca por estratégias que visem à redução desse aquecimento. Estas propostas, por sua vez, devem ser tratadas de maneira globalizada, já que todos os países contribuem para emissão de GEE e todos deverão sofrer suas conseqüências. As principais estratégias para redução da emissão dos GEE antropogênicos consistem na redução da queima de combustíveis fósseis, minimização de desmatamento e queimadas, manejo adequado do solo e, por fim, estratégias de maximização do sequestro de carbono (C) no solo. No contexto das duas últimas estratégias, o manejo do solo, com uso de práticas conservacionistas, é indiscutível para otimização dos mesmos.

Embora a agricultura tenha conseguido aumentar a produção de alimentos e a produtividade das culturas, principalmente após a revolução verde, com maior emprego de tecnologias e aplicação de insumos, em longo prazo, estas práticas modernas estão levando à perda de ecossistemas importantes para a manutenção da vida terrestre (Foley et al., 2005).

Estimativas apontam que até a década de 50, mais C terá sido emitido para a atmosfera devido ao manejo do solo e às mudanças do uso da terra do que pela queima de combustível fóssil (Lal, 2004). Portanto, nota-se que a agricultura assume papel imprescindível na emissão de GEE, contribuindo, atualmente, com aproximadamente 20% das emissões totais de CO2, devido ao desmatamento e mudanças no uso da terra. O setor contribui com cerca de 60% do total das emissões de CH4, principalmente em razão das mudanças no uso da terra, queima da biomassa, fermentação entérica e outros, e por volta de 65 a 80% do total das emissões de N2O, devido principalmente ao uso de fertilizantes nitrogenados (IPCC, 2001).

No Brasil, a contribuição oriunda da agricultura e mudança de uso da terra é bem mais acentuada sendo cerca de 75, 91 e 94% do total de emissões de CO2, CH4 e N2O, respectivamente (Cerri & Cerri, 2007). A análise da contribuição da agricultura e das mudanças no uso da terra, no aquecimento global, são mais difíceis de serem quantificadas, pois os GEE são provenientes de fontes difusas e sistemas mais complexos. Desconsiderando o desmatamento, o Brasil situa-se em 17º lugar na classificação mundial dos países emissores de GEE. No entanto, ocupa o 5º lugar, se a agricultura e mudança de uso da terra forem consideradas (Cerri et al., 2007a). Assim, a avaliação detalhada da emissão de GEE no setor agrícola no Brasil e a implantação de sistemas de manejo adequados são fundamentais para a obtenção de uma produção agrícola sustentável e competitiva no cenário mundial.

Reservatórios de carbono na biosfera terrestre

O armazenamento de C no globo terrestre é dividido principalmente em cinco compartimentos: o oceânico, o geológico, o pedológico (solo), o biótico (biomassa vegetal) e o atmosférico. Todos estes compartimentos estão interconectados e o C circula entre eles (Lal, 2004a). O maior reservatório é o geológico com cerca de 90.000.000 Pg de C (Sundquist, 1993). Apesar desta grande quantidade, a maior parte deste C geológico não participa da ciclagem do elemento, a não ser uma pequena fração, a qual constitui num reservatório de 5.000 Pg de C, compreendendo em carvão 4.000 Pg, óleo e gás, ambos com 500 Pg de C (Lal, 2004a). Segundo este mesmo autor, no compartimento oceânico existe em torno de 38.000 Pg de C, principalmente na forma inorgânica. O reservatório pedológico apresenta 2.500 Pg de C, sendo dividido em 1.550 Pg na forma orgânica e 950 Pg na forma inorgânica (Lal, 2006). O reservatório biótico apresenta cerca de 560 Pg de C (Lal, 2004a). Já o compartimento atmosférico está entre os que apresentam a menor quantidade armazenada, 760 Pg de C (Lal, 2004a). Contudo, isto não o torna de menor relevância, devido à sua importância no tocante às mudanças climáticas.

Estima-se que a quantidade de C estocada no solo até um metro de profundidade, está em torno de 1.576 Pg de C (Eswaran et al., 1993). Isto constitui cerca de três vezes a quantidade de C presente no reservatório biótico e duas vezes a quantidade contida na atmosfera terrestre (Figura 1). O estoque de C presente na MOS, nos primeiros 30 cm de solo, está em torno de 800 Pg (Cerri et al., 2006ª), ou seja, quase a mesma quantidade armazenada no compartimento atmosférico. Metade do C presente no solo, 787 Pg, encontra-se sob solos florestais (Dixon et al., 1994), sendo que, nas áreas com gramíneas encontram-se 500 Pg (Scharpenseel, 1997) e nas áreas cultivadas 170 Pg (Paustian et al., 2000).

Figura 1. Estoques globais de carbono no sistema solo-planta-atmosfera.

A MOS apresenta rápida queda quando o solo é submetido a sistemas de preparo do solo com alto revolvimento (Silva et al., 1994; Bayer et al., 2000ª, b; Albrecht & Kandji, 2003; Lal, 2004b). Este fato, associado às condições climáticas nas regiões tropicais, favorece a decomposição desta MOS, armazenando menos C que em condições mais frias do globo. Mesmo os solos tropicais apresentando esta dificuldade em armazenar C, ele ainda estoca uma quantia de 506 Pg, o que equivale a 32% do C orgânico total mundial (Eswaran et al., 1993).

Historicamente, a diminuição na quantidade de MOS tem contribuído com 78 ± 12 Pg de C para a atmosfera devido ao cultivo e mudanças no uso do solo. Por outro lado, solos submetidos a manejos conservacionistas podem acumular de 30 a 60 Pg de C, num período de 25 a 50 anos de cultivo (Lal, 2004ª). Portanto, práticas adequadas de manejo, em um período relativamente curto, podem retirar quase a mesma quantidade de C que foi lançado para a atmosfera ao longo destes anos de alteração em seu uso.

Esse enriquecimento de CO2 na atmosfera em consequência do uso inadequado do solo ocorre devido a dois processos biológicos; i) decomposição de resíduos vegetais; ii) respiração de organismos do solo e sistema radicular de plantas. No solo, esse CO2 se move por difusão, de uma região de maior para outra de menor concentração, e por fluxo de massa quando o CO2 se move junto com o ar ao qual está misturado (Ball & Smith 1991). A concentração de CO2 nos poros do solo é significativamente maior àquele que se encontra da atmosfera, na ordem de 10 a 100 vezes (Moreira & Siqueira, 2006) devido à atividade respiratória no solo, estimada em 20% devido à respiração das raízes e, os restantes 80%, à atividade biológica do solo (Melillo et al., 2002). A diferença de potencial entre o solo e a atmosfera cria-se um fluxo ascendente de CO2 (Ball & Smith 1991).

As variáveis climáticas influenciam diretamente o fluxo de CO2 para a atmosfera, e seus principais condicionantes são a temperatura (do solo e do ar) e a umidade do solo (Duiker & Lal, 2000). A temperatura merece destaque especial no fluxo de CO2, uma vez que, um acréscimo da mesma pode elevar, exponencialmente, a taxa de respiração do solo (Fang & Moncrieff, 2001). Em razão das massas de ar que circulam o planeta possuírem diferentes temperaturas, o fluxo de CO2 no globo terrestre também é diferenciado, sendo que nas regiões mais quentes as emissões serão maiores. Estas emissões, para uma mesma localidade, ainda podem variar ao longo do tempo.

1 – SEQUESTRO DE CARBONO NO SOLO

É importante salientar a existência de diferença entre os termos balanço e sequestro de C no solo. O primeiro está mais restrito a diferença de estoques de C entre dois manejos ou usos da terra. O segundo, mais amplo, envolve a diferença dos estoques, mas também os fluxos de CH4 e N2O, uma vez que o cômputo do CO2 está embutido na diferença dos estoques de C do solo. Para calcular o C sequestrado em determinada situação é necessário calcular as variações nos estoques de C, bem como os fluxos de CH4 e N2O expressos em “equivalente em Carbono”, ou “equivalente em CO2” onde leva-se em consideração a concentração de cada gás e o PAG do mesmo.

A estratégia de sequestrar C no solo é baseada no aumento estoque de C no solo, melhorar sua distribuição em profundidade e estabilizá-lo através de encapsulamento dentro de microagregados, onde o C é protegido dos processos microbiológicos e assim reduzir a emissão de GEE para a atmosfera.

A capacidade de um determinado solo em estocar C pode ter um grande aumento quando, solos degradados são submetidos a manejos conservacionistas e ecossistemas destruídos são novamente restabelecidos (Lal, 2004a). Além da mudança no manejo, muitos outros fatores influenciam a taxa de sequestro de C em solos (Figura 2).

Figura 2. Fatores que afetam a taxa de sequestro de carbono nos solos agrícolas (Lal, 2006).

A conversão de um sistema natural para um sistema de cultivo, geralmente, leva a degradação da MOS (Lal, 2006), de tal modo que, nos solos de regiões temperadas, esta diminuição chega a 60% e, na região dos trópicos, a degradação da MOS pode ultrapassar 75% (Lal, 2004b). Este fato ocorre devido às práticas inapropriadas de manejo. Lal (2006) ressalta que as perdas de C podem ocorrer na ordem de 25 a 75%, dependendo do estoque inicial existente no solo. Segundo Rios et al. (2006) este estoque inicial está relacionado ao clima, à vegetação, à topografia do terreno, e ao tipo de solo. A perda de C está associada a uma diminuição na quantidade de biomassa no solo; a um aumento na taxa de mineralização, causada pelas alterações no regime de umidade e de temperatura do solo; e a uma diminuição na quantidade de raízes no solo (Lal, 2006).

O material orgânico que é depositado no solo sofre diversas transformações alcançando novamente um novo equilíbrio. Ao final deste processo, considera-se que 60 a 70% de C adicionado ao solo são respirados, ou seja, evoluídos a CO2; de 25 a 30% ficarão na biomassa e em substâncias orgânicas não humificadas e, de 5 a 10%, retidos na fração húmica (Moreira & Siqueira, 2006). Ressalta-se que o C retido na biomassa é, geralmente, temporário. Portanto, para aumentar a quantidade de C e consequentemente o sequestro no solo são necessárias práticas de manejo que levem a um aumento na quantidade de resíduo no solo e/ou que reduza a taxa de decomposição/mineralização (Paustian et al., 2000).

A decomposição da MOS, além de causar alterações climáticas devido à emissão de GEE, ainda traz consequências econômicas e ecológicas, pois a matéria orgânica tem várias funções no solo (melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo) e fora dele (contribui para redução de sedimentos nos corpos d’água, atua como filtro de poluentes químicos, biodegradação de contaminantes, efeito tampão nas emissões de GEE do solo para atmosfera e estabilidade da produção agrícola que tem efeitos econômicos e sociais) (Lal 2004a).

Pelo que foi exposto, pode-se notar a grande importância da MOS nos diversos ambientes, devendo assim ser preservada, evitando desse modo a degradação dos ecossistemas. Sendo assim, reter C no solo, além de melhorar sua qualidade, representa um importante serviço ambiental (Moreira & Siquiera, 2006). Para que um solo se torne um dreno e/ou continue sequestrando C é necessário que algumas práticas de manejo sejam adotadas, tais como: uso de plantas de cobertura e retorno dos resíduos, cultivo mínimo e sistema de plantio direto (SPD), proteção do solo na entressafra, rotação de cultura com alta diversidade, manejo integrado de nutrientes com compostagem, biossólidos e ciclagem de nutrientes, integração lavoura pecuária, manejo integrado de pragas, programa de conservação de reservas e restauração de solos degradados (Lal, 2004a).

2 – Agronegócio no brasil versus aquecimento global

A economia do Brasil é altamente dependente do agronegócio, e o agronegócio está diretamente ligado às condições climáticas. Então é previsível que modificações no clima resultantes do aquecimento global irão ter sérias consequências no setor agrícola e na economia nacional. A seguir serão apresentados e discutidos aspectos gerais referentes a algumas ações do setor agrícola que influenciam as emissões de GEE para a atmosfera e consequentemente podem afetar o aquecimento global do planeta.

Conversão de floresta em pastagem na Amazônia

Muitas pesquisas sobre a conversão de floresta em pastagens bem manejadas têm via de regra, demonstrado um aumento dos estoques de C nos solos em função do tempo de implantação das gramíneas na região amazônica. Valores na ordem de 2,7 a 6 Mg C ha-1 ano-1 tem sido relatados em pastagens bem manejadas (Moraes et al., 1996; Neill et al., 1997; Bernoux et al., 1998; Cerri et al., 1999; Cerri et al., 2003). Entretanto, existem poucas informações com relação às variações dos estoques de C quando as pastagens são mal manejadas (ver revisões de Neill & Davidson, 2000 e Asner et al., 2004 sobre pastagens mal manejadas na Amazônia).

Contudo, apesar do provável aumento nos estoques de C no solo sob pastagem em relação aos sob floresta, essa conversão não é positiva em relação aos GEE. A conversão de vegetações nativas, tal como a floreta amazônica em pastagens, apresenta uma emissão de C para atmosfera na ordem de 100 a 150 Mg de ha-1, principalmente oriundos da queima do material vegetal no desmatamento e nos primeiros anos da instalação das pastagens (Figura 3). Essas transformações são ainda mais críticas quando computa-se as perdas da biodiversidade e armazenamento de água no solo. Por essas e outras razões deve-se investir na recuperação das pastagens abandonadas ou de baixa produtividade, ao invés de abrir novas áreas, para que assim parte do CO2 emitido volte a se fixar ao sistema solo via fotossíntese.

Figura 3. Balanço de carbono na conversão de floresta amazônica e utilização do solo por 20 anos com pastagem na Amazônia. As siglas “Cf“ e “Cp” referem-se, respectivamente, ao C remanescente da floresta e ao C introduzido pela pastagem. Fonte: Cerri et al., (2004).

Colheita da cana-de-açúcar pelo método com queima versus mecanizado

Atualmente são adotados dois métodos para a colheita de cana-de-açúcar. Tradicionalmente, a palha é queimada no campo antes da colheita a fim de facilitar o corte manual, uma vez que as folhas, insetos e animais peçonhentos não estão mais presentes (Thorburn et al., 2001). Essa prática comum tem sido progressivamente proibida por leis estaduais em algumas áreas do Brasil. Além da emissão de CO2, outros gases são produzidos durante a queima causando problemas respiratórios e a dispersão de cinzas nas áreas urbanas (Andreae & Merlet, 2001).

No Brasil, a contribuição do setor agroindustrial da cana-de-açúcar no balanço de GEE emitidos e absorvidos da atmosfera está relacionada à combinação de pelo menos duas atividades: uma do setor industrial e outra do setor agrícola.

O primeiro aspecto associado à mitigação de GEE está relacionado à substituição de gasolina ou óleo diesel por álcool (etanol). O segundo fator associado à mitigação de GEE que é diretamente relacionado ao setor industrial canavieiro trata da utilização de resíduo vegetal como fonte de energia (combustível). Na usina, o bagaço da cana-de-açúcar é usado nas caldeiras para a produção de vapor e energia elétrica (Luca, 2002). Finalmente, a terceira atividade associada à mitigação de GEE no sistema da cana-de-açúcar, é a substituição da colheita com queima para a colheita mecanizada.

Um estudo avaliando o sequestro de C no solo sob cana-de-açúcar com queima versus mecanizado foi realizado no estado de São Paulo (Campos, 2003). A colheita mecanizada resultou em um aumento de 6,5 Mg ha-1 ano-1 em um período de 4 anos, o que resultou em uma taxa anual de 1,625 Mg de C estocado no solo (Figura 4). A área sob colheita mecanizada apresentou uma emissão de 460 kg de C equivalente proveniente de fluxo de N2O para atmosfera e ainda uma absorção de CH4 de 18 kg de Ceq.

O balanço final, ou seja, a quantidade de C sequestrada na conversão no sistema de colheita de cana com queima para mecanizada foi de 1,183 Mg ha-1 ano-1. Entretanto, a área de cana queimada ainda apresentou uma emissão de GEE de 654 kg de Ceq. Quando o GEE emitido na colheita com queima é considerado, a diferença será maior ainda, perfazendo um total de 1,837 Mg de C ha-1 ano-1.

Assim, o plantio da cana-de-açúcar para a produção de álcool combustível (etanol), além de ocasionar uma substituição de fonte energética não renovável (petróleo), para uma renovável, pode ainda conferir um benefício adicional no que se refere à mitigação da emissão de GEE, se esta for cultivada em manejos adequados e ambientalmente sustentáveis.

Figura 4. Emissão de GEE e o sequestro de carbono pelo solo devido na colheita da cana-de-açúcar com e sem queima. Fonte: Campos 2003.

Sequestro de carbono no solo sob sistema de plantio direto

Existem duas iniciativas para que a agricultura sob SPD contribua para a mitigação da emissão de GEE e consequentemente para a atenuação das mudanças climáticas globais. A primeira está associada à redução das emissões de GEE para a atmosfera com a implantação de um SPD. Já a segunda se refere ao aumento dos estoques de C no solo (Figura 5).

Figura 5. Adoção do SPD em detrimento ao sistema de preparo convencional do solo como prática atenuadora da emissão GEE para atmosfera.

No que se refere à emissão de GEE em SPD, quando comparados ao SPC, em geral, observa-se aumento nas emissões de N2O e redução na absorção de CH4; por outro lado, ocorre uma grande redução nas emissões de CO2 para a atmosfera (Lal, 1998; Paustian et al., 2000). A tendência de maior emissão de N2O no SPD é atribuída principalmente a dois fatores básicos: i) maior conteúdo de nitrogênio no solo sob SPD; ii) melhor retenção e acúmulo de água no solo, formando sítios de baixa oxigenação e assim criando condições para que ocorra a desnitrificação com mais freqüência quando comparado com o SPC, onde o solo é revolvido periodicamente e a oxigenação é significativamente maior.

No entanto, no Brasil existem poucos estudos conclusivos e de longa duração que avaliam as emissões desses GEE nestes sistemas de manejo. A grande diversidade de solos, clima, distribuição das chuvas e, principalmente, o tipo de SPD, tal como sua sucessão/rotação de cultivos, devem ser considerados de uma região para outra.

Para as variações nos estoques de C do solo, existem várias estimativas realizadas em solos do Brasil. Em uma revisão de literatura, Cerri et al., (2004) efetuaram uma estimativa da variação nos estoques de C no solo devido a adoção do SPD em relação ao SPC para as condições brasileiras. Para tanto, foram utilizados diversos trabalhos científicos que pudessem abranger da melhor forma possível, as distintas condições edafoclimáticas e de manejo agrícola existentes no Brasil. O resultado de tal estimativa indica que existe uma significativa variação na taxa de acúmulo de C no solo para o Brasil, sendo o valor médio de aproximadamente 0,5 Mg C ha-1ano-1.

Em uma recente revisão de literatura sobre variação dos estoques de C entre SPD e SPC, Bernoux et al., (2006) observaram taxas de acúmulo variando de 0,4 a 1,7 Mg C ha–1ano-1 para a região do Cerrado e –0,5 a 0,9 Mg C ha–1ano-1 para a região Sul do Brasil, quando avaliaram a camada de 40 cm de solo. Considerando apenas os valores médios para cada região, os autores observaram resultados similares para o Cerrado e a região Sul do Brasil, obtendo taxa de acúmulo de 0,65 e 0,68 Mg C ha–1ano-1, respectivamente.

Considerando que atualmente o Brasil apresenta aproximadamente 25 milhões de ha sob SPD, podemos assim fazer um cálculo, mesmo que de maneira simplista, da quantidade de C acumulada no solo e consequente retirada de CO2 atmosférico devido à mudança no sistema de produção de SPC para SPD.

Utilizando os valores médios observados por Bernoux et al., (2006), e a área atual de SPD no Brasil, obtemos que o plantio direto acumula no solo entre 16 e 17 milhões de toneladas de C anualmente. É importante mencionar ainda que tais estimativas assumem a continuidade da utilização do SPD, pois uma vez que práticas de cultivos convencionais sejam adotadas, grande parte desse C estocado no solo poderá ser liberado para a atmosfera na forma de GEE. Outro fato que deve se considerado é que cada solo tem uma capacidade máxima de estocar C e assim, com o tempo de implantação, esta estocagem pode ser reduzida ou até nula, quando o solo estiver no ponto de equilíbrio dinâmico.

Um recente estudo de curta duração realizado em Vilhena (RO) avaliou as variações do estoque de C no solo e a emissão de GEE, para assim estabelecer as taxas de sequestro de C pelo solo (Carvalho et al., in press). Após três anos de implantação do SPD com a sucessão de cultivos soja/milho, em substituição ao SPC, foi observada uma taxa de acúmulo de 0,38 Mg C ha-1 ano-1. Já quando foi realizada a estimativa de sequestro de C no solo, ou seja, a taxa de acúmulo descontada a emissão de GEE no período, resultou no sequestro de 0,23 Mg C ha-1 ano-1. É importante ressaltar que este é um estudo de curta duração e que necessita de um acompanhamento de maior tempo para informações mais conclusivas. Pesquisas recentes em andamento, envolvendo sistemas de rotação de cultivos mais elaborados, com elevada produção de palha, tal como a integração lavoura pecuária sob SPD, vêm exibindo taxas bem mais elevadas de sequestro de C no solo.

Deve-se salientar ainda que o SPD, além de auxiliar no sequestro de C pelo solo, na conservação do solo contra erosão e outros benefícios já mencionados, implica em uma significativa economia de consumo de combustível (60 a 70%), o que reduz a emissão de GEE em relação ao cultivo convencional.

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O setor produtivo vem vivenciando um novo paradigma no que se refere a produção de alimentos. A população mundial vem exibindo altos níveis de crescimento e as áreas disponíveis para produção de alimentos deverão ser mantidas constantes ou até exibirão retrações.

A produção mundial de alimentos no século XXI deverá ser norteada por sistemas e processos produtivos mais modernos, baseados no uso mais eficiente dos recursos naturais, sobretudo aqueles relacionados ao carbono e à emissão de GEE para a atmosfera.

Não será mais admissível produzir grãos, fibras, carnes, biocombustíveis, dentre outros produtos do agronegócio baseados em desmatamento, processos produtivos extrativistas ou com baixos índices de produtividade. A população mundial, sobretudo aquela de países mais desenvolvidos, buscará por produtos com melhor qualidade e índices de sustentabilidade. Ajustar os sistemas de produção a essa nova realidade ambiental, não será uma opção, mas sim uma forma de ser sustentável em longo prazo.

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