Remineralizadoresde Solo e Fertilizantes Naturais – Pesquisa e evolução para o futuro do agronegócio

Mais de um século de pesquisas elevou os remineralizadores de solo e os fertilizantes naturais ao patamar de grandes coadjuvantes na geração de um novo cenário para a agricultura no Brasil.

Desde os pioneiros Missoux (1853) e Hensel (1890)1, no Brasil a partir da década de 1950, já indicavam que os remineralizadores de solos (REM) e os fertilizantes naturais (FN) são poderosos ativos escaláveis que compõem um conjunto de soluções regionais essenciais para o manejo sustentável da fertilidade do solo agrícola.

Os REM são, em síntese, produtos oriundos da moagem fina de rochas silicáticas ricas em bases e minerais primários frescos, abundantes em regiões tropicais, que melhoram o solo auxiliando na recuperação de suas propriedades químicas, físicas e biológicas, potencializando a melhoria dos sistemas produtivos agrícolas.

Com indicações de uso isolado ou como complemento a outros produtos (compostos orgânicos, fertilizantes organominerais e outros), os REM e os FN possuem inúmeros benefícios para as culturas e, também, para o meio ambiente. Um desses benefícios é a capacidade de sequestro de carbono no solo e a gradual formação de novas fases minerais estáveis que ampliam seu reservatório de nutrientes e a eficiência de uso da água nos cultivos agrícolas.

História e Legislação

Os primeiros trabalhos sobre o uso de REM foram realizados em 19533 e nas décadas seguintes, 19604, 19705 e 19806, foram publicados os primeiros trabalhos que relataram experimentos com adição em solo agrícola e resultaram em ganhos nos cultivos. A partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000, são apresentadas pesquisas sistemáticas desenvolvidas na Universidade de Brasília, a partir da Tese de Doutorado da Suzi Theodoro7 e pela Embrapa Cerrados8.

No final da década de 2000, a partir de uma iniciativa de Suzi Theodoro e de outros pesquisadores foi realizado o I Congresso Brasileiro de Rochagem (CBR) em 2009, em Brasília. O I CBR possibilitou a aproximação dos grupos de pesquisa e das empresas interessadas em desenvolver insumos para a agricultura a partir de rochas moídas e estabeleceu como prioridade o desenvolvimento da normatização destes insumos.

Esta demanda ensejou a criação em 2010 do Grupo de Trabalho de Normatização dos Remineralizadores, o GT Remineralizadores, composto por representantes dos Ministérios de Minas e Energia (MME), Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e também da Petrobras, Embrapa Cerrados e Universidades Federais. O GT Remineralizadores teve seu trabalho intensificado em 2012, culminando na aprovação do Projeto de Lei no Senado Federal (PLS 212/2012) que definiu os REM como insumos agrícolas.

No ano seguinte, 2013, realizou-se o II CBR em Poços de Caldas-MG, foi sancionada a Lei 12.890/2013 cujo teor passou a definir os REM como “todo material de origem mineral que tenha sofrido apenas redução e classificação de tamanho por processos mecânicos e que altere os índices de fertilidade do solo por meio da adição de macro e micronutrientes para as plantas, bem como promova a melhoria das propriedades físicas ou físico-químicas ou da atividade biológica do solo”, o que equivale a dizer que, para ser classificado como REM, o pó de rocha deve seguir o que estabelece esta lei.

No II CBR foi apresentada a primeira proposta de desenvolvimento de critérios para a regulamentação dos REM9. A partir da discussão desenvolvida no II CBR, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) regulamentou a Lei 12.890/2013 a partir das Instruções Normativas 5 e 6 de 201610, exatamente no ano do II CBR, que ocorreu em Pelotas/RS.

Em 2021 foi apresentado pela primeira vez os remineralizadores no Anuário Mineral Brasileiro11, mostrando que o Brasil já consome mais de 1,5 milhões de toneladas anuais destes insumos, em pelo menos 3 milhões de hectares, considerando o ano de 2020 como referência. O avanço da adoção, em prazo tão curto de quatro anos, e com experiência de recompra da ordem de 90%, indica o sucesso da tecnologia, que deve ser sempre associada a boas práticas agrícolas, especialmente as que aumentam a intensidade dos processos biológicos nos sistemas de manejo.

Ainda em 2021, o IV CBR foi realizado de forma virtual em virtude da pandemia da COVID-19, mas que também coincidiu com a criação da ABREFEN, onde foram apresentados estudos de casos de sucesso de manejo nacionais e internacionais.

Finalmente, em março de 2022, por meio do Decreto Nº 10.991, foi lançado o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF-2050) que inclui, definitivamente, os REM e Fertilizantes Naturais entre os insumos necessários para o desenvolvimento da agricultura no Brasil. Uma das primeiras ações do PNF-2050 foi a inclusão dos REM no crédito rural como investimento, com juros mais baixos e alongamento de carência, o que constitui mais um incentivo ao desenvolvimento da cadeia destes insumos.

Independência e crescimento interno

Embora os estudos tenham apontado os REM como eficientes no processo de melhoria do solo e nutrição de plantas, o Brasil é um dos países que mais utilizam insumos minerais importados para a agricultura e o cenário atual é preocupante. A produção agrícola brasileira, responsável por mais de 27% do PIB nacional, depende de 85% de fertilizantes importados e essa dependência faz com que a economia brasileira fique à mercê das oscilações do mercado internacional.

A elevação histórica nos preços dos fertilizantes importados, dos quais 20% são advindos da Rússia, e os recentes acontecimentos no Leste Europeu, evidenciaram a perigosa correlação entre a alta na produção nacional e a dependência do mercado externo para atendimento à demanda interna. Somente no primeiro semestre de 2022, o Brasil importou aproximadamente 19 milhões de toneladas de fertilizantes, cerca de US$ 12 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, e o aumento nos preços desses produtos foi da ordem de 180%.

Na contramão dessa dependência nacional, a indústria mineral se mobiliza e investe, há anos, no estudo e produção de remineralizadores e todo esse investimento colocou o Brasil em primeiro lugar dentre os países em desenvolvimento de remineralizadores de base mineral. Até junho de 2022 o país possuía 37 empresas produtoras de remineralizadores registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O Brasil tem mais de 500 indústrias de pequeno porte com potencial para produzir REM. Desde 2020 os remineralizadores já foram utilizados em mais de 2 milhões de hectares e seu consumo subiu de 1,5 milhões em 2020 para 3 milhões de toneladas em 2021, conforme dados do Anuário de Mineração Brasileiro, do Governo Federal.

De acordo com Frederico Bernardez, presidente da ABREFEN, todos estes números estimados estão ainda sendo validados pela associação que representa o setor (ABREFEN) e devem ser divulgados no anuário mineral 2022. “O entendimento e consolidação desses números é fundamental para entender o cenário atual e projetar onde queremos chegar. Acreditamos que, com incentivos corretos, possamos aumentar a capacidade de produção de forma segura. O Brasil é um país extenso e com potencial para abertura de muitas minas produtoras de REM. Faz-se necessário, no entanto, a desburocratização dos processos de licenciamento, bem como a criação de efetivas políticas públicas de fomento para que isto aconteça. “, afirma Bernadez.

Por ser um produto natural e ambientalmente correto, não existe restrição para o uso dos remineralizadores e todas as culturas podem ser beneficiadas. Existe, porém, a necessidade de manejo correto e a escolha por produtos registrados no MAPA. No artigo Rochas Basálticas para Rejuvenescer Solos Intemperizados12, de autoria de Suzi Huff Theodor, Andréa Sander, Diego Felipe Mosquera Burbano e Gustavo Rosa Almeida, essa questão é bem discutida. “É importante, ainda, destacar que existem alguns condicionantes para o uso de rochas moídas, quais sejam: (i) o material deve conter quantidades apreciáveis de macronutrientes (a presença de micronutrientes também é desejável e importante); (ii) o material não deve possuir contaminantes; (iii) o material deve estar disponível na própria região (caso contrário, o custo do transporte inviabiliza sua aplicação) e (iv) o material não pode conter elementos potencialmente tóxicos (EPT), em quantidades acima do estabelecido na legislação, que regulamenta o assunto”, cita a publicação. Em suma, vale dizer que todo remineralizador é um pó de rocha, resultado da moagem de rochas, mas nem todo pó de rocha é um remineralizador.

Os benefícios do uso dos REM para a agricultura são percebidos a médio e longo prazo e se refletem em maior produtividade e qualidade dos produtos cultivados. Além da melhoria do solo, é possível perceber um aumento no nível de nutrientes nos produtos que recebem fertilização com remineralizadores e muitos produtores já o utilizam em boa parte de sua produção, como é o caso das culturas de orgânicos. Para Welington Dal Bem, vice-presidente da ABREFEN, a utilização dos REM pode baratear a produção.

Fertilizantes naturais

Os fertilizantes naturais podem ter sua base mineral, orgânica ou composta. Consideram-se fertilizantes naturais, todos aqueles que não envolvem a mistura e/ou adição de substâncias químicas sintéticas em seu processo de fabricação.

Como fertilizantes naturais de base mineral temos, por exemplo, os fertilizantes minerais simples (FMS), que são insumos obtidos a partir da mineração de substância mineral natural que possui um ou mais nutrientes benéficos para as plantas, respeitando todas as normas e parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Agricultura (MAPA). Neste caso, a produção do FMS de base mineral sólida passa apenas por processos de diminuição de tamanho de partículas (cominuição) e/ou segregação física, sem outros processos térmicos ou químicos. O manejo destas fontes no solo agrícola está dentro do conceito da Rochagem, onde são utilizadas apenas insumos que passaram pelo processo de cominuição.

Assim, o fertilizante mineral simples sólido pode ser classificado como granulado, microgranulado, pó e farelado, a depender do percentual de partículas passantes nas peneiras de acordo com as normas da ABNT. O fertilizante mineral simples flúido é subdividido em: fertilizante mineral simples em solução e fertilizante mineral simples em suspensão. O FMS em solução apresenta natureza física de produto fluido sem partículas sólidas, já o FMS em suspensão possui natureza física de produto fluido com partículas sólidas dispersas em um meio fluido. Os modos de aplicação dos FMS podem ser via foliar, solo, fertirrigação, hidroponia ou semente, a depender das características especificas do produto em questão.
Os fertilizantes naturais compreendem também materiais obtidos a partir de resíduos de origem vegetal e animal que, quando passam pelo processo de compostagem, originam um fertilizante natural de base orgânica, que é mais utilizado via solo.

No processo de compostagem, uma prática que vem sendo muito utilizada é a adição de remineralizadores de solos (REM) e/ou fertilizantes naturais (FN) de base mineral visando a integração de benefícios das fontes orgânicas e minerais. Os agricultores e pesquisadores dedicados a esta prática percebem a sinergia entre matéria orgânica-REM/FN-microbiologia. Estes compostos juntos com REM ou FN de base mineral são considerados fertilizantes naturais de base mista e também são usualmente utilizados via solo.

A utilização de fertilizantes naturais, composto orgânico, composto orgânico enriquecido e remineralizadores, além do apelo econômico, possibilitam uma maior sustentabilidade ambiental na produção agrícola, em função do uso de matérias-primas regionais, e uma melhor eficiência agronômica nas adubações.

Notas

1 Veja revisão em van Straaten, P. (2006). Farming with rocks and minerals: challenges and opportunities. Anais Da Academia Brasileira de Ciências, 78(4), 731–747.

3 Ilchenko, O.V. & Guimarães, D. (1953). Sobre a possibilidade de utilização agrícola dos sienitos nefelínicos do planalto de Poços de Caldas, Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, Instituto de Tecnologia Industrial, 15p. (Avulso, 15).

4 Lima, M.C.A.; Leite, J.P.; Lyra, M.A. (1969). Emprêgo de rochas trituradas como fertilizante potássico na lavoura canavieira. Recife: Secretaria de Agricultura, Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco, Boletim Técnico 40, 37 p.

5 Leonardos, O.H.; Fyfe, W.S. & Kronberg, B.I. (1976). Rochagem: O método de aumento da fertilidade em solos lixiviados e arenosos. Anais 29 Cong. Brasil. Geol., Belo Horizonte, p. 137-145

6 Leonardos, O.H.; Fyfe, W.S. & Kronberg, B. I. (1987). The use of ground rocks in laterite systems: An improvement to the use of conventional soluble fertilizers? Chemical Geology, 60(1–4), 361–370. https://doi.org/10.1016/0009-2541(87)90143-4

7 Theodoro, S.C.H. (2000). A fertilização da terra pela terra: uma alternativa para a sustentabilidade do pequeno produtor rural. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável), Universidade de Brasília, Brasília-DF, 225 f., il.

8 Resende, A.V.; Martins, E.S.; Oliveira, C.G.; Sena, M.C.; Machado, C.T.T.; Kinpara, D.I.; Oliveira Fiçho, E.C.. (2006). Suprimento de Potássio e Pesquisa de Uso de Rochas in natura na Agricultura Brasileira. Espaço & Geografia (UnB), v. 9, p. 19-42.

9 Martins, E. S. (2013). Proposta de critérios de normatização de rochas silicáticas como fontes de nutrientes e condicionadores de solos. In Theodoro et al (Ed.), II Congresso Brasileiro de Rochagem, Poços de Caldas-MG, p. 368–378.

10 Brasil. (2016a). Instrução Normativa No 5, de 10 de março de 2016 – critérios e especificações de remineralizadore. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Gabinete da Ministra. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21393137/do1-2016-03-14-instrucao-normativa-n-5-de-10-de-marco-de-2016-21393106
Brasil. (2016b). Instrução Normativa No 6, de 10 de março de 2016 – estabelecimento produtor. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Gabinete da Ministra. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21393222/do1-2016-03-14-instrucao-normativa-n-6-de-10-de-marco-de-2016-21393092

11 Brasil. (2021). Anuário Estatístico 2021, Setor de Transformação de Não-Metálicos (1st ed.). Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Brasília-DF, https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/publicacoes-1/anuario-estatistico-do-setor-metalurgico-e-do-setor-de-transformacao-de-nao-metalicos/anuario-estatitico-2021-setor-de-transformacao-de-nao-metalicos-ano-base-2020.pdf.

12 Veja o artigo na íntegra: http://www.revista.liberato.com.br/index.php/revista/article/view/681